A novela em torno do empresário Joe Berardo e da sua dívida de 320 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos está longe de chegar ao fim. Mas a verdade é que, até aqui, o cerco tem-se apertado em torno do empresário madeirense. O relatório da EY feito à gestão da Caixa entre 2000 e 2005 aponta para perdas de 1,26 mil milhões só dos 25 maiores clientes (ver coluna ao lado) e a grande maioria está insolvente.
O próprio presidente da instituição financeira, Paulo Macedo, já chegou a admitir no Parlamento que a CGD não foi a única a quem estes 25 grandes devedores recorreram, tendo também dívidas de milhões aos principais bancos privados, incluindo aos que tiveram de receber ajudas públicas nos últimos anos.
Mas Berardo parece não querer cruzar os braços. Depois de ter visto dois dos seus imóveis serem arrestados pelo Tribunal de Lisboa – no valor de quatro milhões de euros – a pedido do banco público, o empresário madeirense garantiu ontem que pagou, quase só em juros, cerca de 231 milhões de euros à banca a “troco de nada”, rejeitando a ideia de ter ficado “com muitos milhões” dos portugueses.
“Nem eu nem nenhuma entidade entidade ligada a mim alguma vez tivemos ao nosso dispor […] dinheiro que tenha sido emprestado pela CGD [Caixa Geral de Depósitos], ou por outros bancos”, assegurou numa carta aberta ao presidente da Assembleia da República, acrescentando ainda que “como se não bastasse o ataque ao meu património, tenho agora de defender-me do ataque ao meu bom nome”, vincou numa carta com cinco páginas em que considera que foram violados os seus direitos fundamentais na audição na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 10 de maio, revelou a Lusa.
E continuou as acusações: “É caso para dizer que a casa do povo fechou a porta à violação dos meus direitos fundamentais, mas logo abriu a janela a essa mesma violação”, defendeu, referindo-se ao facto de o presidente da comissão de inquérito ter acedido ao seu pedido e ter mandado sair da sala as televisões e as rádios, acabando a audição por ser transmitida por várias estações, com sinal do Canal Parlamento”.
Esta não é a primeira vez que Berardo fala na famosa audição. No final de maio reconheceu ter-se excedido, mas também afirmou ter sofrido “um verdadeiro julgamento popular” na audição na comissão parlamentar de inquérito e que tinha servido de “bode expiatório” de todos os males do sistema financeiro português desde 2007.
Na mesma carta, Berardo apelou a Ferro Rodrigues para que não permita que outro cidadão seja sujeito a semelhante situação e que exija aos deputados das comissões de inquérito “que não se desviem do seu fim de julgar atos políticos e de quem decide ser gestor de empresas públicas, aproveitando as mesmas para mera promoção partidária”. No mesmo documento, Joe Berardo fez referência a declarações de Manuela Ferreira Leite, dias após a comissão de inquérito, quando defendeu que as comissões parlamentares não têm poderes judiciais, mas apenas de avaliação política.
A carta não convenceu os deputados. A opinião é unânime: o empresário não foi maltratado na comissão parlamentar de inquérito e os portugueses é que têm razão de queixa.
Queixa avança A comissão parlamentar de inquérito à Caixa também disse ontem que vai ser feita uma queixa contra a Associação Coleção Berardo no Ministério Público por crime de desobediência, considerando que não enviou ao Parlamento os documentos devidos.
Essa queixa deverá seguir ainda esta semana ou no princípio da próxima. “Só podemos avaliar o papel desempenhado pelos responsáveis da CGD e, nesse sentido, não há dúvida de que a informação é devida à comissão. O argumento de que [essa informação] não tem a ver com o objeto da comissão não colhe. Vamos participar ao Ministério Público porque há aqui um crime de desobediência com argumentos que não são acolhíveis da nossa parte”, disse o presidente da comissão de inquérito.
Luís Leite Ramos revelou que a Associação Coleção Berardo enviou alguma da documentação pedida pelos deputados, como atuais estatutos e algumas atas de assembleias-gerais e listagem de participantes, mas que não enviou outros documentos, tendo argumentado considerar que não se integram no objeto da comissão e que a associação é uma entidade privada em que a comissão parlamentar não tem de se imiscuir. De acordo com o responsável, o objetivo da comissão de inquérito não é imiscuir-se na associação, mas perceber se a Caixa Geral de Depósitos (CGD) fez tudo o que podia para cobrar a penhora sobre a associação.