O antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates disse que "a verdadeira razão" da demissão do ex-ministro das Finanças Campos e Cunha do seu Governo se ficou a dever a uma lei que o afetava.
Campos e Cunha deu a entender que tomou a decisão de abandonar o Governo de Sócrates depois de ter sido pressionado para nomear Armando Vara e Santos Ferreira (que à época estavam no BCP) para a administração do Banco Público. Mas o antigo primeiro-ministro socialista apresenta uma versão completamente diferente para a demissão do seu então ministro das Finanças, cargo que exerceu entre março e julho de 2005.
Nas suas respostas à comissão de inquérito parlamentar à Caixa Geral de Depósitos, Sócrates acusa Campos e Cunha de querer sair do Executivo por não poder acumular a pensão que recebia a título de antigo governador do Banco de Portugal com o salário de membro do Executivo, graças a uma lei que o próprio titular da pasta das Finanças aprovou em sede de Conselho de Ministros.
"Esta foi a verdadeira razão para a sua saída, razão essa que é conhecida por todos aqueles que estavam no governo da altura", escreveu Sócrates, no documento onde responde à comissão e que reúne 24 páginas.
"Foi a partir desse momento que o ministro me começou a escrever cartas pedindo para sair do governo, a que sempre respondi pacientemente apelando à responsabilidade que tinha assumido quando livremente aceitou integrar o Governo", justificou o antigo líder do Executivo.
Sócrates reiterou ainda que não fez qualquer pressão sobre Campos e Cunha para demitir a administração da CGD e que foi o economista que desde o início lhe manifestou a vontade de a substituir.
"Dei-lhe, como sempre dei a todos os ministros das Finanças, carta branca para fazer a mudança que pretendia e para me apresentar as escolhas que viesse a fazer. Nunca lhe sugeri nome nenhum – repito, nunca lhe sugeri nenhum nome", sublinhou.
“Está igualmente provado que não indiquei Armando Vara para a Administração da Caixa e que nunca expressei, nem prometi vir a expressar, apoio algum a qualquer decisão de financiamento do banco, nem perante membros do governo nem perante membros da administração da Caixa ou ainda perante qualquer cliente do banco”, lê-se ainda no documento.
Ataque ao PS
Apesar de ter entregado as respostas escritas, com mais de duas dezenas de páginas, à comissão, Sócrates não se coibiu de fazer várias considerações políticas prévias sobre as perguntas em si, que na sua opinião “visam apenas o enxovalho público”.
Para Sócrates, o teor das perguntas – mais de 90 – são prova de que a política e a justiça estão “de mãos dadas para, em conjunto, ignorarem o princípio de presunção de inocência (dispensando a acusação de ser provada) e transformarem o processo judicial num litígio no qual o visado deve defender-se em duas frentes – na frente política e na frente judicial”.
E continuou: “A acusação do Ministério Público justifica as perguntas politicas e estas, por sua vez, reforçam a acusação. (…) Parte-se, assim, “para o ataque, para o insulto e para o seu verdadeiro objetivo – o ódio ao adversário político”.
Na sequência do ataque individualizado, Sócrates chamou também a a atenção para o facto de ter sido o único, entre cinco, primeiros-ministros, que exerceram funções no período analisado pela comissão (2000 a 2005), que foi chamado ao Parlamento.
"Apesar de o período abrangido pelos trabalhos da comissão ser aquele que vai de 2000 até ao presente, eu fui o único antigo primeiro-ministro a ser convocado para prestar depoimento. E não posso deixar de notar que esta singular distinção teve a concordância do partido que apoiou o governo que liderei", frisou Sócrates, que foi chefe de Governo entre 2005 e 2011, atacando os socialistas.
Alias na senda das críticas ao partido que liderou, Sócrates traz o antigo governador do Banco de Portugal ao ‘barulho’, lamentando o facto de já não ser só a direita a atacar Vítor Constâncio.
"Há muito que Vítor Constâncio é [alvo] dos partidos da direita, a diferença agora é que se tornou o alvo de todos – incluindo daquele de quem foi secretário-geral e que o ataca tão injustamente como todos os outros", escreveu.