O adeus do Governo que começou radical e acabou de contas certas

Kyriakos Mitsotakis, líder do Nova Democracia, foi eleito primeiro-ministro grego com cerca de 39,8% dos votos, derrotando o Syriza de Tsipras, que apresentou a aplicação de austeridade como um sucesso.

Este domingo os gregos foram às urnas, sob um calor de verão abrazador, para dizer adeus ao primeiro-ministro que – por breves momentos  – foi a esperança das forças antiausteridade europeias. É o fim do Governo do líder do Syriza, Alexis Tsipras, encurralado entre o falhanço em cumprir a promessa do fim da austeridade e o conflito diplomático com os seus vizinhos da Macedónia. As eleições europeias já tinham sido um desastre para o Syriza, que ficou quase 10 pontos percentuais atrás do partido de direita Nova Democracia, levando até à antecipação de eleições. Agora, segundo dados da Bloomberg, o líder do Nova Democracia, Kyriakos Mitsotakis, conseguiu 39,8% dos votos, contra os 31% do Syriza, ficando a direita com 154 dos 300 deputados gregos – o suficiente para o partido governar com maioria absoluta.

A campanha do Syriza terminou onde o tudo começou, em Atenas, na praça de Syntagma, coração histórico dos movimentos insurgentes na Grécia. Carismático como sempre, Tsipras lançou acusações duras contra Mitsotakis, um banqueiro filho de um antigo primeiro-ministro derrubado por corrupção, a quem o líder do Syriza chamou de “príncipe”, herdeiro das velhas dinastias políticas que levaram o país à beira da bancarrota. “Eles vão tratar-vos não como cidadãos mas como clientes”, disse o primeiro-ministro, denunciando o programa do Nova Democracia, que propõe ainda mais privatizações dos serviços públicos, flexibilização das leis laborais e isenções fiscais. “Vão confiar os vossos sonhos a quem vos roubou?”, questionou. 

Contudo, nem a retórica de Tsipras, nem o aumento do salário mínimo de 586 euros para 650, nem o regresso da Grécia ao mercado internacional, fez o público grego esquecer as sucessivas concessões a Bruxelas, enquanto o Syriza se transformava de partido da esquerda radical para partido convencional. O líder que em janeiro de 2015 dizia ter deixado para trás “a austeridade, o medo, a prepotência e cinco anos de humilhação”, nesta campanha apresentou como vitória o cumprimento dos memorandos e o ajuste das contas públicas. Entretanto, a taxa de desemprego grego continua à volta dos 18% – uma das mais altas da União Europeia. “Não espero que nada mude, mas gostaria que tudo mudasse, resumiu ao jornal Ekathimerini Alexandros Pappas, que é desempregado.

 

Renegociação outra vez Agora, é o adversário de Tsipras que prometeu renegociar com os credores gregos. Mitsotakis sabe que é praticamente impossível conseguir os cortes de impostos que pretende e ainda assim cumprir com a obrigação de ter excedentes orçamentais de 3,5% do PIB até 2022. O candidato chegou a acusar o Syriza de “exagerar com a austeridade”, numa entrevista à CNBC, em que lembrou os excedentes orçamentais de 4% em 2018 e de 3,6% em 2019, até agora. “Ultrapassamos as metas porque o Governo sobretaxou a classe média”. Mitsotakis prometeu “uma agressiva e profunda reforma fiscal”, que “mande um sinal muito claro aos mercados financeiros de que queremos negócio”.

 

Para lá de Bruxelas Além das sempre presentes questões orçamentais, o Governo do Syriza ainda foi alvo de críticas por falhar no combate aos fogos de 2018 – dos mais mortíferos do século XXI – que deixaram um rasto de pelo menos 102 mortos nas zonas costeiras. Também é críticado pela gestão do fluxo de refugiados nas costas do mar Egeu, tanto por quem defende uma abordagem mais dura à migração, como pela base de esquerda do Syriza, que critica os abusos cometidos pelas autoridades. Por exemplo, uma investigação da BBC revelou que as condições nos campos de refugiados nas ilhas de Lesbos, sob alçada do Governo, levaram crianças com pouco mais de 10 anos a tentar suicidar-se – o que não poderia deixar de criar fraturas dentro do Syriza.

Mas talvez a grande questão que mais dificultou a vida a Tsipras tenha sido a disputa com a vizinha Macedónia. Para quem observa de fora, é difícil defender a paixão com que os gregos disputam o nome da antiga província natal de Alexandre o Grande – e como isso terá prejudicado Tsipras. “Ele fez um acordo sobre a questão da Macedónia que roubou o nosso orgulho”, disse ao Ekathimerini um eleitor à saída das urnas. O líder do Syriza conseguiu convencer o país vizinho a mudar o nome para República do Norte da Macedónia, abdicando do veto grego à entrada da Macedónia na NATO. 64,5% dos gregos ficaram descontentes com a solução, segundo uma sondagem da MARC, e não terão deixado de olhar com outros olhos para Mitsotakis – que descreveu o acordo como “uma caixa de pandora”, cheia de ofensas ao legado helénico.