As Nações Unidas (ONU) acusaram o Governo venezuelano de perseguição aos opositores políticos, execuções extrajudiciais e graves violações dos direitos humanos, num relatório divulgado na passada quinta-feira. São 5287 mortes violentas devido à «resistência à autoridade», registadas no ano passado pelo Governo de Nicolás Maduro, a que se somam outras 1569 até maio deste ano. A redatora do relatório, Alta-Comissária da ONU, a ex-Presidente chilena Michelle Bachelet, disse que há motivos para acreditar «que estas mortes constituem execuções extrajudiciais cometidas pelas autoridades».
O documento resultou da visita de Bachelet ao país sul-americano no final do mês de junho, onde entrevistou 558 vítimas e testemunhas. Bachelet afirmou no relatório que o Governo de Maduro «poderá estar a utilizar as Forças Especiais venezuelanas e outras forças de segurança como instrumento para incutir o medo à população e manter o controlo social». A antiga Presidente assegura que os entrevistados «referiram de maneira constante a FAES [Força de Segurança Especial venezuelana] como esquadrão da morte ou grupo de extermínio».
Além disso, Bachelet acusa a Venezuela de graves violações dos direitos económicos, civis e políticos do país – tal como a criminalização da oposição. No documento, a Alta-Comissária defende que desde 2016, o Governo de Maduro tem perseguido uma estratégia «destinada a neutralizar, reprimir e criminalizar os opositores políticos e pessoas críticas do Governo». Maduro enfrenta a oposição de Juan Guaidó, autoproclamado Presidente interino da Venezuela, que fez uma tentativa falhada de golpe de Estado, no passado dia 30 de abril.
Em todos os casos reportados, alega o documento da ONU, as Forças de Segurança são acusadas de manipulação de cenários de crime. «Eles plantam armas e drogas e disparam com as suas armas contra as paredes para sugerir confronto e mostrar que a vítima resistiu à autoridade», lê-se no relatório.
As vítimas entrevistadas fizeram também referência a casos de violência de género, como ameaças de violação a jovens mulheres por parte dos agentes, detenções arbitrárias, tortura com choques elétricos ou sufocamentos com sacos de plástico.
A Venezuela reagiu ao relatório alegando parcialidade da ONU. « O conteúdo deste relatório é incompreensível, dominado por uma visão seletiva e tendenciosa, sem rigor científico, com sérios erros metodológicos», protestou William Castillo, vice-ministro da Comunicação, na sessão do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, na manhã de sexta-feira. Castillo apontou ainda que das 558 entrevistas «460 foram realizadas fora da Venezuela, o que significa 82%». Recorde-se que a Venezuela enfrenta uma grave crise de emigração. De acordo com o relatório Global Trends do Alto Comissariado para os Refugiados publicado este ano, cerca de 4 milhões de venezuelanos fugiram do país.
Além disso, o Governo venezuelano apresentou um documento com 11 páginas a refutar a ONU, defendendo, entre outras coisas, que o relatório estava descontextualizado e que havia afirmações falsas.
Este relatório aparece na véspera da notícia da morte do capitão da Marinha Rafael Costa, detido há mais de um mês pela Direção-Geral de Contra-Inteligência Militar. Costa foi acusado de conspirar contra o Governo de Maduro e faleceu no sábado passado no compleco militar de Fuerte Tiuna, em Caracas. Os familiares e amigos dizem que foi torturado até à morte , embora a autópsia apresentada pelas autoridades diga que não havia sinais de tortura.