“Palavras de Fátima Bonifácio declaram que as pessoas negras e ciganas são inferiores”

A polémica crónica de Fátima Bonifácio sobre a criação de quotas para as minorias étnicas continua a dar que falar. SOS Racismo avança com queixa-crime contra a autora.

O SOS Racismo apresentou uma queixa-crime ao Ministério Público contra Fátima Bonifácio, na sequência do polémico artigo de opinião escrito pela historiadora, publicado no Público, no passado sábado. A associação antirracista considerou que a crónica viola o artigo 240 do Código Penal, que define o crime de discriminação racial.

Contactado pelo i, Mamadou Ba, dirigente do organismo, sublinhou que as declarações de Fátima Bonifácio não podem passar em branco e que vão muito para além do direito de liberdade de expressão ou de opinião. “É uma ofensa à integridade e dignidade das pessoas e, também, ao nosso modelo democrático. Não é aceitável, é inconstitucional e é um crime”, começou por apontar o responsável.

Considerando que o tema do artigo de opinião era, “supostamente”, sobre a possibilidade da criação de quotas para minorias étnicas no ensino superior, o presidente da SOS Racismo recordou que era legítimo que Fátima Bonifácio tivesse manifestado uma opinião contra a medida, mas que as suas palavras declaram “abertamente que as pessoas negras e ciganas são cultural e civilizacionalmente inferiores”.

Posto isto, a associação sem fins lucrativos considerou que não teve outra escolha se não colocar a queixa, mesmo depois de já ter denunciado o caso à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. “Queremos que se faça Justiça e que, sobretudo, se ponha travões a afirmações que, na nossa opinião, são de incitação ao ódio”, afirmou.

Mais, Mamadou Ba destacou ainda que a historiadora deve um pedido de desculpas a todos os portugueses e que espera que a autora sofra as consequências “pelas generalizações abusivas e estigmatizantes”.

“Fátima Bonifácio deve desculpas, não só à comunidade cigana e negra, mas a todos os portugueses e, mais do que pedir desculpa, tem de pagar pelo que fez”, asseverou.

A crónica que está a gerar polémica desde dia 6 de julho não tem sido somente criticada pela associação. Além das várias participações feitas na ERC, diversas figuras públicas já manifestaram a sua indignação perante a análise da historiadora que alegou que os africanos e os ciganos não “descendem dos Direitos Universais do Homem decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789. Uns e outros possuem os seus códigos de honra, as suas crenças, cultos e liturgias próprios”.

Nas redes sociais, a deputada bloquista Joana Mortágua disse que a autora acabou “com o mito de que em Portugal só há racismo invisível” e o antigo ministro Miguel Poiares Maduro caracterizou a crónica como um texto “cheio de preconceitos e generalizações perigosas”. Sublinhe-se que a opinião de Fátima Bonifácio surgiu em resposta à sugestão do socialista Rui Pena Pires que propunha criar quotas para minorias étnicas no ensino superior.

Num momento em que o debate do racismo em Portugal é um tema aceso, esta terça-feira, deu-se ainda um seminário sobre racismo e xenofobia que serviu para debater um relatório do Parlamento sobre o tema. Neste texto destacou-se o desenvolvimento de “um estudo sobre a integração de jovens afrodescendentes e ciganos no Ensino Universitário, com vista a avaliar possibilidades de integração de medidas de ação positiva”. Ou seja, o tema da criação de quotas voltou ao debate público e o texto de Fátima Bonifácio não deixou de ser referido. Sem nunca dizerem o nome da historiadora, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e o secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, condenaram a crónica. “Vergonhoso o que li”, disse o secretário de Estado socialista. “Só faltaria dizer” que os habitantes do bairro da Jamaica “embora tenham casas na Lapa, não as querem”, criticou indiretamente a ministra. Ainda assim, considerando que o tema não é consensual entre os socialistas e que a legislatura está quase a acabar, este debate foi atirado para depois das eleições.

 

Etnia dos deputados

Após o referido seminário, Catarina Marcelino, uma das redatoras do relatório, esteve na SIC Notícias a analisar as recomendações. A certo momento, a deputada do PS referiu que esperava ver nas listas dos deputados para a próxima legislatura “candidatos de minorias étnicas”. “O CDS tem um deputado, aliás, que se diz que é o único deputado afrodescendente no Parlamento, que é o Hélder Amaral, mas não é verdade que é o único. Também há uma deputada do PSD Nilza de Sena que … pelo menos não é branca”, disse a ex-secretária de Estado para a Igualdade. Estas declarações não passaram despercebidas e, nas redes sociais, houve quem tenha condenado o comentário. “Sou amigo de Nilza de Sena. Nunca a vi como ‘branca’ ou ‘não branca’. Esta catalogação é implicitamente racista porque separa, segrega, afasta por causa da cor de pele. Dizem querer lutar contra o racismo mas usam armas contraproducentes”, escreveu o social-democrata Carlos Abreu Amorim. Miguel Morgado partilhou a publicação e acrescentou: “Também sou amigo da Nilza. Não faço ideia de qual seja a sua ‘ascendência’. E garanto-vos que em todos estes anos, no PSD, nunca ninguém quis saber que ‘ascendência’ seria essa. Isto está tudo ir para um lugar muito, muito mau”. Contactada pelo i, Nilza de Sena desvalorizou as palavras da socialista mas deixou um alerta. “Acho que foi feita uma generalização, admito que não tenha sido intencional, mas não foi uma expressão feliz, porque as pessoas ocupam cargos por mérito. Eu sou deputada há oito anos e tenho provas dadas. Não vejo que tenha sido pela cor da pele que fui escolhida, mas também penso que não foi isso que a deputada quis dizer”, concluiu.

“As quotas para negros e ciganos não passam de uma farsa multicultural igualitarista” Fátima Bonifácio Historiadora “Reconheço à Fátima Bonifácio o único mérito de acabar com o mito de que em Portugal só há racismo invisível. Não há racismo sem racistas” Joana Mortágua Deputada do Bloco de Esquerda “Gostaria de acreditar que a capacidade intelectual que é reconhecida a Fátima Bonifácio a fizesse reconhecer que errou de forma grave” Miguel Poiares Maduro ex-ministro adjunto e do Desenvolvimento Rural do pds “Não é aceitável, é inconstitucional e é um crime” Mamadou Ba Presidente do sos racismo “Fátima Bonifácio é um exemplo de que não se tem vergonha na cara. É um discurso preconceituoso que não tem só espaço no racismo. É adaptativo do populismo. E assume-se como alternativa ao politicamente correto” Rui Pena Pires sociólogo e secretário nacional do ps“As quotas para negros e ciganos não passam de uma farsa multicultural igualitarista”