Foi uma semana de loucos na Operação Marquês. Entre as falhas de memória de Ricardo Salgado e a preocupação dos seus advogados ficou ainda a saber-se que Ivo Rosa descobriu um detalhe insólito (que afinal não era assim tão insólito) num contrato assinado entre o ex-presidente do BES e Zeinal Bava, ex-CEO da PT – documento que o Ministério Público_(MP) acredita ter sido forjado depois da detenção de José Sócrates. O contrato em causa, que justifica parte das transferências de 25 milhões de euros do saco azul do GES para Bava, está datado de 2010 mas nele constava um documento de identificação com data de emissão de 2014, ou seja, quatro anos após a sua assinatura.
Perante a descoberta, Ivo Rosa apressou-se, em despacho, a questionar a defesa se a data inscrita era mesmo a de emissão ou um lapso, bem sabendo que os cartões de cidadão não têm data de emissão. E logo de seguida os advogados de Bava foram ao encontro da hipótese colocada pelo juiz: era a de validade que por lapso fora colocada no espaço da data de emissão.
Ricardo Salgado é um dos 28 arguidos da Operação Marquês, suspeito dos crimes de corrupção ativa de titular de cargo político, corrupção ativa, branqueamento de capitais, abuso de confiança, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. Por um lado, o MP_sustenta que corrompeu José Sócrates, para garantir apoio político, por outro Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, que teriam a missão de ‘travar’ a OPA da Sonae à Portugal Telecom.
Salgado mudou de versão
Na segunda-feira, Ricardo Salgado foi até às instalações do Tribunal Central de Instrução Criminal para responder às questões do juiz Ivo Rosa, que decidiu não aceitar como válidas para o caso Marquês as declarações prestadas por Ricardo Salgado no âmbito dos processos Monte Branco e GES/BES. Saiu poucas horas depois, dizendo aos jornalistas que tinha sido chamado em específico para falar da relação com Zeinal Bava e que tudo tinha ficado esclarecido.
Salgado resumiu tudo o que dissera lá dentro da seguinte forma: «Eu nunca na minha vida corrompi ninguém». E apesar de dizer que não foi ali para falar de José Sócrates, o certo é que o juiz ainda tentou questioná-lo acerca de assuntos que envolviam o primeiro-ministro, mas sem sucesso.
Além de dizer que não iria falar sobre alguns assuntos, a falta de memória marcou grande parte das respostas dadas pelo antigo presidente do BES.
Sobre o contrato fiduciário que justifica a transferência de milhões para Bava – e o facto de uma parcela de quase 7 milhões transferida em 2007 não constar do mesmo –, Salgado, que já havia dito anteriormente que essa primeira transferência se destinava a manter Bava na Oi e a não ceder às ofertas de outras empresas, explicou agora que em causa estava um financiamento para que Bava pudesse entrar no capital da telefónica portuguesa. Uma versão que, sendo diferente da que Salgado sempre dera até então, vai ao encontro da que fora dada por Zeinal Bava.
Preocupados com saúde do arguido
Mas houve também perguntas sobre Sócrates. Uma foi sobre quando é que tinha tido conhecimento da detenção do primeiro-ministro – o MP acredita que o contrato que justifica a transferência de parte dos 25 milhões de euros foi forjado após essa data.
O SOL sabe ainda que Ivo Rosa chegou a perguntar a Ricardo Salgado se se lembrava do dia em que se reuniu com Sócrates na sua residência oficial para pedir que não usasse o veto que impedia a venda por parte da Portugal Telecom de metade da operadora Vivo.
Uma vez que a assembleia geral fora a 30 de junho de 2010 esteve impacto e repercussões, seria provável que se lembrasse. Mas Ricardo Salgado foi mostrando ao longo de toda a diligência vários esquecimentos e sinais de alguma baralhação.
Quando surgiu esta pergunta, por exemplo, o advogado de Salgado pediu mesmo que se fizesse um intervalo, justificando que o seu cliente já demonstrava sinais de cansaço.
Perante a reação da defesa, o juiz de instrução criminal não hesitou em dirigir-se ao arguido: «O senhor sente-se bem, está cansado, quer fazer um intervalo?».
Ricardo Salgado opta por não responder de forma direta ao juiz: «Os meus advogados estão mais interessados na minha saúde do que eu».
O contrato fictício com Bava
As declarações de Ricardo Salgado que Ivo Rosa considera agora serem inválidas para a Operação Marquês serviram de base à acusação, que considera ter sido feito um contrato fictício, assinado entre o saco azul do GES – a Espírito Santo Enterprises – e Zeinal Bava, com o objetivo de justificar o recebimento por parte deste último de mais de 25 milhões de euros entre 2007 e 2011.
Zeinal Bava foi acusado pelos crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada.