Só no próximo sábado é que os portugueses ficarão a saber se há ou não greve, mas o parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da Republica (PGR) entregue ontem à tutela de Vieira da Silva dá ao Executivo mais uma arma nesta guerra: ainda antes do início da greve pode ser pedida uma requisição civil preventiva. No mesmo documento, o órgão da PGR faz saber que não tem elementos suficientes para responder sobre a legalidade desta greve dos motoristas de matérias perigosas e dos de mercadorias – este foi um dos pontos que o governo pediu ao conselho consultivo da PGR para esclarecer.
Mas enquanto as notícias sobre as últimas posições dos sindicatos, patrões e Governo iam saindo, nas ruas era já visível o efeito de uma greve que ainda ninguém sabe se existirá.
Municípios declaram situação de alerta A corrida aos postos de combustível começou logo ao início da manhã. Se na quarta-feira as filas eram já maiores do que habitual, na ontem à noite havia 25 postos sem combustível, segundo a aplicação VOST – que lançou com a aplicação Waze um mapa interativo que permite ver onde há postos com gasolina em tempo real e no telemóvel.
Em Lisboa, por exemplo, o cenário que se vive nos postos de abastecimento é incomum e faz lembrar a última greve. Houve mesmo quem levasse jerricãs de 30 litros – proibidos por lei – para encher com combustível. Num vídeo que circulou ontem nas redes sociais vê-se mesmo um homem a tentar encher um bidon de plástico de grandes dimensões que transportada numa carrinha de caixa fechada, uma situação que gerou indignação e alguma violência por parte de quem esperava pela sua vez para abastecer. Ao i, fonte do setor dos combustíveis garantiu que nos últimos dias houve mais pessoas a atestar os veículos e os postos foram também abastecidos com mais tabaco, águas e batatas fritas.
Como resultado da corrida antecipada aos postos de combustível, houve já vários municípios a declarar situação de alerta. A Câmara Municipal de Mafra decidiu ontem acionar a Declaração de Situação de Alerta e, enquanto não forem repostas as condições de normalidade no abastecimento, todos os postos de venda de combustíveis ficam obrigados a conservar 20% do combustível armazenado “para uso exclusivo das forças de segurança, forças prioritárias e de apoio comunitário do Município”, anunciou a autarquia. Já os consumidores ficam “restringidos a abastecer 25 litros por cada viatura ligeira”.
Formação da PSP e GNR gera polémica Se for necessário, os agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) vão ter de conduzir os camiões de combustível até aos postos de abastecimento. Na quarta-feira, o Governo anunciou que estão a ser formados 500 homens e, a serem necessários, serão 180 os agentes a conduzir os camiões. Ao i, Paulo Rodrigues, da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP), explicou que a tal formação “é mais uma palestra que dura pouco mais de uma hora” e em que a parte prática não ocupa mais de cinco minutos. “Estamos a falar de uma formação que não é suficiente e não consegue preparar ninguém para coisa nenhuma”, alerta Paulo Rodrigues, que acrescenta ainda que os polícias “não podem dizer que se sentem completamente preparados”. Além disso, “utilizar os polícias para fazer este trabalho – além de ser constrangedor para os polícias, porque vão ficar com uma má imagem aos olhos dos outros trabalhadores – transmite a ideia de que são um braço armado do Governo para tudo e qualquer coisa”.
Guerra dos serviços mínimos Durante a manhã de ontem, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) entregou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa uma providência cautelar para impugnar os serviços mínimos decretados pelo Governo na quarta-feira, pedindo a “suspensão da eficácia daquele ato administrativo” e que o mesmo fosse “substituído por outro que obedeça aos critérios definidos legalmente”, lê-se no documento a que o i teve acesso. A estrutura sindical considerou que “a determinação destes serviços mínimos nesta percentagem e nestas condições, assim como os restantes serviços mínimos impostos, não obedecem a nenhum critério tipificado na lei”.
Além de o SNMMP considerar ilegal a determinação dos serviços mínimos, aponta ainda para um dos problemas que tem vindo a ser reivindicado pelos motoristas: as cargas e descargas. Esta quarta-feira, o Governo determinou que os trabalhadores são obrigados a fazer este tipo de trabalho durante o período de greve, facto que o sindicato considera que “deveria ser fundamentado” e que a tutela “deveria declarar quem ‘pagará’ a estes motoristas por fazerem trabalhos a que não estão obrigados”. O sindicado deixa ainda a questão: “É o Estado ou são as Entidades Patronais que irão compensar estes trabalhadores pelo trabalho ordenado, pese embora seja ilegal”. “Entendemos assim que os senhores ministros não fizeram uma interpretação correta dos serviços mínimos que devem ser observados, de acordo com os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”, lê-se no documento.
As primeiras palavras do PCP A poucos dias do início da paralisação dos motoristas, o Partido Comunista Português decidiu pronunciar-se, mas apenas em relação aos serviços mínimos decretados pelo Governo esta quarta-feira. O PCP saiu em defesa dos trabalhadores e acusou o Governo de impor limitações ao direito à greve. “O que se impõe é o cumprimento do contrato coletivo de trabalho em vigor, o prosseguimento das negociações este ano, melhorando os salários e os direitos dos motoristas, para a sua entrada em vigor em janeiro de 2020, sem prejuízo da negociação a prosseguir para os anos seguintes”, disse o PCP em comunicado, alertando para a necessidade de continuar a negociação coletiva.
As posições dividem-se e o CDS pediu mesmo que se altere a lei que determina os serviços mínimos. “O que não é possível é nós vermos um sindicato, 600 ou 700 pessoas a bloquearem o país com o impacto que isso hoje tem na nossa economia”, disse o partido. Já o PSD deixa o conselho: “Se o Governo quer ter sucesso no processo de mediação […] seria avisado que o fizesse com mais recato e a constituir-se como mediador isento naquele diferendo”.
Sobre a decisão do Governo, em relação aos serviços mínimos decretados, Marcelo Rebelo de Sousa não se pronunciou. “Eu tenho um princípio básico, quando termino uma viagem, atesto sempre o carro”, disse o Presidente da República, adiantando que está em condições para começar as suas férias na próxima segunda-feira.
Coletes amarelos juntam-se ao protesto No mesmo dia em que está previsto o início da greve dos motoristas, o movimento dos coletes amarelos promete “fazer barulho”. Numa publicação feita ontem no Facebook, o grupo informou que pretende juntar-se aos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias e fechar a ponte 25 de Abril. Os coletes amarelos vão reunir-se no McDonald’s de Corroios pelas 8h e no Parque Intermodal da Malveira pela mesma hora e o início da marcha lenta está marcado para as 9h30. O destino final da manifestação será a Assembleia da República.