Tornaram-se moda de norte a sul do país as chamadas feiras medievais. Aldeias, vilas e cidades aderiram à coisa e já não deve haver distrito que escape incólume ao retrocesso civilizacional pelo menos durante um fim de semana.
Os locais gostam, aderem e até participam na farsa, como figurantes, vestidos a rigor, e os turistas acorrem em massa.
Castro Marim foi das primeiras, se não mesmo a primeira, e a festa ganhou honrarias de tradição popular pela aposta na diferença para chamar gente ao Algarve menos conhecido e menos visitado. Faz todo o sentido e deu nova vida àquelas muralhas.
Agora, o que não faltam são festas medievais com os mesmos artistas, os mesmos malabaristas, os mesmos trajes, os mesmos adornos, o mesmo conceito. De Silves a Valença, passando por Óbidos, Leiria, Tomar e o por aí fora. Uma tacanhez.
Outro fenómeno de verão que está a generalizar-se são os festivais de música. Dos maiores aos mais pequenos, não há santa terrinha em que o tradicional bailarico não tenha virado Rock in Rio à escala pequena.
Não faço ideia mas imagino a correria em que anda a indústria de montagem e desmontagem de palcos, sem mãos a medir no trabalho e na faturação.
O mesmo se diga, aliás, dos artistas, também estrangeiros mas sobretudo nacionais, que bem podem agradecer às câmaras os orçamentos de larguíssimos milhares de euros – basta ver a gala da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) para perceber a importância que as autarquias têm para os agentes da cultura portuguesa, sobretudo nesta época do ano. E é vê-los de norte a sul do país na cobrança, sem parança, que o verão é cada vez mais curto e no resto do ano não há tamanha bonança.
E há ainda a stand up comedy, fenómeno que também está na moda nos quatro pontos cardeais e enche cineteatros e praças do Portugal inteiro. Os humoristas são quase sempre os mesmos, as piadas variam muito pouco e raros são os que chegam aos calcanhares do velho Herman José, que também voltou à estrada e ainda os bate a todos – que dizer ‘merda’ em direto foi ele pioneiro e hoje os palavrões que põem as plateias a rir são outros, a que ele não cedeu nem precisa de recorrer.
Já para não falar nos programas das TV’s que cirandam por aí a arrebanhar cachets nas cidades com necessidades de promoção – ou seja, todas. Seja com programas de mero entretenimento, seja com programas de pretensão mais intelectual (tipo Governo Sombra), que também se fazem cobrar… e não é pouco.
As tradicionais festas da província, se resistem, vão cada vez mais cedendo a estes novos conceitos, plasmados de umas terras para as outras, tornando-as cada vez mais iguais, menos próprias, menos interessantes. Ao ponto de até a gastronomia parecer cada vez menos diferente, das entradas de queijos e enchidos, à doçaria conventual, passando pelas especialidades principais – que a moda dos chefs consegue fazer com que um simples prato com uma bela posta de bacalhau com grão e ovo cozido, tudo regado com um belo azeite, passe a travessa bem preenchida por longos traços de vinagre balsâmico e sementes de sésamo que nos conduzem a duas ou três lascas de bacalhau, a que chamam lâminas, com emulsão de alho e em cama de espinafres.
Não é que seja mau, porque lá que é bem confecionado e sabe bem… não está em causa. Não tem é nada a ver com a comida tradicional portuguesa. Que é indiscutivelmente das mais ricas e variadas da Europa.
A Ryanair fechou esta semana a sua plataforma no aeroporto de Faro. Garante que os voos vão manter-se, mas a verdade é que a fechou, enviando para o desemprego cerca de 100 trabalhadores.
Os 100 trabalhadores, e respetivas famílias, são, naturalmente, os sacrificados mais imediatos.
Mas não deve haver muitas ilusões. Por mais que a companhia pretenda negá-lo, o fecho da plataforma de apoio em Faro implicará forçosamente uma redução dos voos. Talvez não imediatamente, mas certamente no médio prazo.
Portugal tem tudo para continuar a ser por muitos e bons anos um paraíso turístico na Europa. Tudo!
Mas a aposta no turismo massificado, do all inclusive, dos festivaleiros, das feirinhas medievais e dos eventos da treta e de pretensiosos bacocos, condenam-nos a todos a ficar à mercê da Ryanair e de outras low cost desta vida.
Ora, Portugal tem muito, mas muito mais para oferecer, se se mantiver fiel às suas origens, às suas tradições, à sua gastronomia, ao seu bom vinho, à arte de bem receber.
Dos churrascos medievais à nouvelle cuisine, que haja de tudo um pouco, como, aliás, ‘macdonald’s’, pizzarias, kebab’s, sushi, chau min, chamuças e por aí fora.
Há, obviamente, espaço para todos. E assim é que é bom.
Mas a aposta, diferenciadora e única, tem de ser na excelência da nossa gastronomia, por mais simples que seja, respeitando a diferença de região para região, do campo para a cidade, da serra para o litoral. Na gastronomia como em tudo o resto. Nas nossas paisagens, nas nossas tradições, na nossa cultura, no nosso saber fazer e receber.
É aí que está a nossa identidade, a nossa riqueza.
Esse Portugal não precisaria da Ryanair. Mas nesse Portugal nem a Ryanair se atreveria a fechar uma plataforma.