Seis centímetros para a extinção

ONU alerta que o solo está a perder capacidade para sustentar a humanidade. Da agricultura à desertificação, as ameaças são muitas. E também precisamos de mudar a alimentação.   

Um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês) mostrou a urgência de transformar os métodos agrícolas, de modo a combater e evitar as consequências do aquecimento global. O estudo mostra que a capacidade do solo para sustentar a humanidade está a diminuir. Multiplicaram-se as secas e os incêndios florestais, ao mesmo tempo que as colheitas têm cada vez menos rendimento nutricional e o solo fica cada vez mais erodido. A agência nota que 10% da população enfrenta subnutrição. Ainda assim, extraímos mais matéria orgânica do solo do que nunca. A Terra está a tornar-se num enorme Saara: está a perder 10 a 100 vezes mais solo do que aquele que é renovado.

«A única coisa entre nós e a extinção são seis centímetros de solo e o facto de chover», alertou Anna Krzywoszynska, investigadora da Universidade de Sheffield, em declarações ao The Guardian. É nesta pequena camada de solo – composta por minerais agregados com matéria orgânica – que ocorre boa parte dos processos biológicos que mantêm a vida na Terra. Mas esta camada está a ser empobrecida pela destruição de florestas e agricultura intensiva. Uma das soluções sugeridas pelo IPCC é a substituição da agricultura convencional pela agricultura sem lavra, parte essencial da chamada permacultura – que envolve tornar o solo mais fértil por meios naturais e conjugar diferentes culturas.

«Arar o solo é criar um distúrbio. A grande vantagem – os agricultores não são parvos – é arejar o solo. Sabemos que as plantas respiram, a curto prazo há imensa vantagem. A médio e longo prazo estamos a criar uma série de problemas», explica ao SOL David Avelar, investigador do centro CE3C. O solo arado fica mais exposto à lexiviação, ou seja, que a chuva lave os solos e se percam nutrientes. Ao mesmo tempo destrói-se a chamada «internet da natureza», os fungos e as micorrizas – a associação simbiótica entre plantas e fungos, que facilita a troca de nutrientes. Também ficam em causa as comunidades de bactérias, «fundamentais para a taxa de germinação, para transformar nutrientes necessários às plantas…», explica Avelar. Que nota ainda que «ao arar vamos volatizar o carbono acumulado no solo» – libertado sob forma de metano ou CO2.

O lado bom? «As técnicas de não-lavra permitem acumular mais carbono no solo, mais biomassa – combatendo diretamente as alterações climáticas», afirma David. Questionado se estas técnicas podem ser implementadas à escala global, para responder às necessidades alimentares da população humana, o investigador responde que sim.

«A permacultura é uma intensificação ecológica. Como é a intensificação agrícola convencional, à base de adubos sintéticos. Simplesmente a permacultura é por meios naturais». Contudo, «o grande desafio é a mecanização» – daí a atual dependência de monoculturas. «Temos uma máquina e ela só colhe batatas, não apanha cebolas. Então só se pode plantar batatas», exemplifica Avelar.

Desertificação 

Além da degradação do solo pelas práticas agrícolas, o avanço da desertificação com o aquecimento global também é listado como perigo para a qualidade dos solos no relatório do IPCC. Em Portugal, a região mais afetada seria o Alentejo, diz Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho do Ambiente e Desenvolvimento: «Os regimes de precipitação estão a mudar. A precipitação anual tem baixado 30 mm por década, nos últimos 50 anos. É bastante» – sobretudo tendo em conta que «a precipitação anual no Alentejo é na ordem dos 500 mm».

O valor ganha mais significado dado que «as alterações climáticas favorecem os eventos climáticos extremos» – alternando períodos de seca com chuva intensa -, o que faz com que a água seja menos eficazmente absorvida. Como tal, «há maior mortalidade de árvores, como o sobreiro e azinheira, menos matéria orgânica no solo…», enumera Santos. Mas o relatório do IPCC deixa uma certa esperança, ao vincar que o investimento em recuperação do solo é rentável para o Estado e para as populações – 3 e 6 vezes cada euro investido num prazo de 30 anos. 

O relatório do IPCC mostra também a urgência de reduzir drasticamente o consumo de carne global – uma das principais fontes de emissão de gases com efeito de estufa. «Há certos tipos de dieta que têm uma pegada de carbono mais pequena e colocam menos pressão sobre o solo», explicou em conferência de imprensa Jim Skea, um dos autores do relatório. «O IPCC não recomenda dietas… As escolhas alimentares são frequentemente moldadas e influenciadas pelas práticas de produção local e hábitos culturais», acrescentou.

A dieta mediterrânica

Em Portugal, estaríamos a referir-nos à dieta mediterrânica.

«Os preceitos de uma alimentação saudável e sustentável são muito traduzidos pela dieta mediterrânica», assegura ao SOL Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Os princípios desta dieta não podiam ser mais simples. 

«Tem uma grande base de produtos de origem vegetal, como hortícolas, frutos, legumes, leguminosas, grãos. Consumindo produtos locais e respeitando a sazonalidade. Com uma presença muito parcimoniosa de produtos de origem animal. Regando com um fio de azeite e guardando separação entre o dia-a-dia e as festividades. É uma maneira corrente de comer, que gera saúde e bem estar».

A bastonária nota que «o padrão alimentar mediterrânico é dos mais estudados pela ciência», e que, caso cumpramos os seus requisitos, «estamos a ir de encontro aos relatórios das organizações internacionais».

Contudo, a especialista alerta: «Se esta era a forma de comer dos povos da bacia do Mediterrâneo há algumas décadas atrás, hoje já não é». Os portugueses comem cada vez mais carne – «mais do que o desejável» – e cada menos hortícolas. Trocam o azeite por gorduras saturadas e comem frequentemente alimentos processados, que deviam ser apenas consumidos «de quando em vez, nas festividades alimentares».

A bastonária sublinha que os relatórios da ONU pedem uma redução no consumo de produtos de origem animal, não a sua completa retirada. Quem optar por uma alimentação estritamente vegana, por motivos éticos ou ambientais, deve ser devidamente acompanhado. «Não se deve passar a mensagem que para sermos saudáveis e sustentáveis temos de querer que todos os indivíduos sejam vegans», salienta.