A transmissão indireta da participação da PT na Unitel para a Oi foi recusada peloSupremo Administrativo angolano (Câmara do Cível, Administrativo Tribunal Supremo, Fiscal e Aduaneiro, 1.ª Secção). Segundo o acórdão a que o SOL teve acesso, a Justiça angolana pronunciou-se no âmbito de uma providência cautelar interposta pelas sociedades GENI, Mercury e Vidatel – que em conjunto detêm 75% do capital social da Unitel – contra a PT Ventures – que detém 25% da operadora angolana – e foi arrasadora. «O tribunal considera que as requerentes podem invocar o direito de preferência, que entende, aliás estar protegido por lei e pelo acordo parassocial», afirma-se.
A Justiça angolana não tem dúvidas: «As ações da Unitel não podem ser integradas como ativo no processo de fusão da requerida com a Oi, que não mudem de titular, o que irá acontecer com o processo de fusão, razão porque solicitaram ao tribunal que intimasse a requerida para que se abstivesse de integrar as ações de que é titular na Unitel», lê-se no acórdão, que já circula nas redes sociais.
Além da quebra do acordo parassocial, os três restantes acionistas da Unitel invocaram também a violação à Lei das Sociedades Comerciais, argumentado que tinham o direito de exercer o direito de preferência ao transacionar-se a posição da PT com outras entidades.
É preciso recuar a 2013, altura em que a Portugal Telecom e a Oi anunciaram a fusão. Um negócio que envolveria uma série de operações e incorporação de ativos. Desta junção surgiria uma nova empresa: a CorpCo, com sede no Brasil . No entanto, este anúncio surpreendeu, na altura, o mercado. Não só pela rapidez com que a operação foi montada, mas também pelo timing escolhido. O setor vivia momentos de forte agitação a nível mundial, com operações a envolverem a Vodafone, Telefónica, Telecom Italia, KPN e outras companhias.
Como parte da transação, a Oi propunha-se a realizar um aumento de capital em dinheiro com um mínimo de 7 mil milhões de reais (2,3 mil milhões de euros) e com um objetivo de 8 mil milhões de reais (2,7 mil milhões de euros), «com a finalidade de melhorar a flexibilidade do balanço da CorpCo». No entanto, o aumento de capital da Oi seria maior, ao totalizar os 14,1 mil milhões de reais (4,7 mil milhões de euros) – uma vez que os ativos da PT seriam incorporados na empresa brasileira.
Com a conclusão do negócio entre as duas companhias, a participação de 25% que a operadora portuguesa detinha na Unitel transitou para a Oi, situação que os restantes acionistas consideram que feriu o acordo parassocial da Unitel, estabelecido a 15 de dezembro de 2000.
A operação foi rejeitada pela Justiça angolana, que considera que «os ativos alienados a um terceiro, estranho ao elenco acionista inicial revela uma possibilidade eminente de violação do acordo parassocial e do direito de preferência dos requerentes».
Segundo o acórdão a que o SOL teve acesso, a partir do momento em que fosse feita essa fusão, a PT ficaria esvaziada de património e só depois é que seria criada a tal nova empresa, a CorpCo, onde as ações da Unitel seriam integradas. Uma ideia que não agrada à Justiça angolana, que dá ainda uma justificação: «Será uma sociedade de direito brasileiro, perdendo a requerida a sua identidade, para além de que, o seu centro de decisão passa de Portugal para o Brasil», refere o documento.
Aliás, essa transmissão de ações (direta ou indiretamente), segundo a legislação angolana, teria não só ser alvo de autorização por parte da Agência de Promoção de Investimentos, antiga Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP), como também deveria ter sido dado direito de preferência aos acionistas angolanos. «A cessão total ou parcial da posição contratual ou social relativamente ao investimento privado deve ser feita mediante autorização prévia da ANIP, tendo sempre o investidor interno interessado, caso exista, em igualdade de circunstâncias, o direito de preferência», refere a legislação angolana.
Contactado ontem o gabinete do presidente João Lourenço para obter uma posição sobre este caso, o mesmo remeteu qualquer esclarecimento para o Ministério da Justiça que, até à hora de fecho desta edição, não enviou qualquer resposta. O SOLtentou ainda sem sucesso contactar a Procuradoria-Geral da República de Angola sobre este tema.
Também a Oi foi instada pelo SOLa reagir a esta decisão judicial, mas a operadora brasileira não deu qualquer resposta.
Conflitos antigos
O diferendo entre as empresas arrasta-se desde 2015 e recentemente a Unitel foi alvo de uma providência cautelar por parte da PT Ventures a solicitar a nomeação urgente de um administrador judicial para atuar como órgão de administração da operadora angolana, em substituição do atual conselho de administração.
«A PTV solicitou que o Tribunal tomasse essa medida sem audição prévia da Unitel e sem aviso prévio ou consentimento dos outros três acionistas (os quais em conjunto representam 75% do capital social da empresa)», foi referido, na altura. A operadora reagiu, garantindo que as acusações feitas pela PTV eram «infundadas».
Outra ‘guerra’ está relacionada com com o pagamento de dividendos. Em 2017, a Unitel reconheceu que estavam por repatriar para a PT Ventures dividendos superiores a 600 milhões de dólares (510 milhões de euros), montante que, na altura, era considerado «incomportável de transferir» face ao mercado cambial .
«O pagamento dos dividendos no exterior, por razões macroeconómicas de Angola, nomeadamente falta de divisas, não foi possível até a data, pois é necessária a sua conversão em USD ou Euros, para devida exportação», disse, na altura, a operadora.
E foi mais longe, ao lembrar que a lei do investimento em Angola «acautela o direito dos investidores estrangeiros de expatriarem os seus lucros» – no entanto, caberia ao investidor estrangeiro, neste caso à PT Ventures, «tratar das formalidades da licença de exportação do seu dividendo, e proceder ao licenciamento do mesmo junto do Banco Nacional de Angola (BNA), obtendo para tal o boletim de autorização de pagamento de capitais».