Foram as reivindicações dos trabalhadores que conseguiram eliminar a imposição da duração do trabalho semanal da função pública nas quarenta horas como decorria do limite genérico previsto no Código do Trabalho.
Foi considerado um ato de justiça a fixação do limite de 35 horas semanais.
Ninguém poderia desconhecer que uma decisão destas, aliada às limitações da contratação existentes e às demais regras de contenção da despesa, seria capaz de provocar um desequilíbrio, uma diminuição da oferta de respostas à procura de serviços públicos.
E tão óbvio tudo se tornou que entre a recusa da realidade e a atitude de assobiar para o lado, governo e apoiantes fecharam-se dentro da carapaça.
O povo prestador estava feliz, o outro, nem tanto.
E, a verdade é que a responsabilidade foi passando entre os pingos da chuva.
Esta semana, com a maior candura, alguém reconheceu o problema.
Um secretário de Estado, que habitualmente o é em vários governos, anuncia números de contratações a concursar para o serviço nacional de saúde.
Acrescenta, a seguir, que quando forem providos os lugares, se recuperará finalmente, o nível anterior à definição das 35 horas.
Nessa altura, não agora.
O que significa a claríssima admissão das consequências da medida tomada por todos estes anos e mais o tempo necessário.
Ninguém reagiu.
Serve isto para dizer que a política é a arte da ilusão.
Há lutas e lutas, porém.
Se disser respeito a mais pessoas é mais tolerada, se se cingir a um universo restrito é menos compreendida.
Se incomodar muita gente é impopular, se poucos forem os atingidos é simpática.
Usualmente, as lutas terminam em greves.
Durante muito tempo, um movimento sindical forte e numeroso, estabilizado nas tendências apoiantes, garantia o equilíbrio, promovia o avanço por pequenos passos, esgotava-se nas eternas rondas negociais.
Os trabalhadores sentiram que a velocidade da evolução da sociedade ultrapassava esse cenário.
Se, no tempo de Salgado Zenha, a luta era contra a unicidade sindical, o que significava a ultrapassagem do monopólio do partido comunista, hoje o tempo é dos sindicatos independentes, setoriais e menores em número de associados.
São mais radicais, mais ágeis, menos comprometidos.
Exigem, dos governos, respostas novas.
É relativamente fácil a um qualquer executivo reconhecer direitos se depender apenas do gasto público.
É outra a conversa quando os contendores se situam no setor privado.
O Estado não acaba, acumula dívida.
A empresa abre falência, desaparece.
Logo, o Governo amigo dos trabalhadores é forçado a pensar na máxima: amigos, amigos, negócios à parte.
As consequências poderiam ser diminuição da receita, aumento do desemprego, crise.
Portanto, nesse caso, resta-lhe tentar isolar os grevistas, colocar o povo contra eles, mostrar boa vontade e preparar a ação musculada.
Sendo de esquerda, o Governo, para todos os efeitos a greve bandida é manipulada pela direita.
E assim se simplifica o que parece contraditório.
O poder é a esquerda e o trabalhador é a direita.
O mundo fica mais perigoso quando o conflito passa a ser entre dois condutores de Maserati: um que é ministro e outro que é líder sindical.