Data Center. Urbanização envolta em polémica

Autarquia vai levar a hasta pública um loteamento de terrenos na zona envolvente do Data Center da Altice para acolher 36 moradias. Mas operadora aceita ideia. Vereador Carlos Pinto acena com providência cautelar e acusa Câmara de querer vender terrenos abaixo do valor tributário. 

A venda de uma parte do Campus em frente ao Data Center onde está instalada a unidade tecnológica da Altice, na Covilhã, está a criar uma guerra na autarquia. Em causa está a decisão da Câmara em vender em hasta pública um espaço do terreno do Campus para instalar 36 moradias num loteamento de 52.837 metros quadrados, com uma área de construção de 29. 600 metros. 

A decisão foi aprovada em reunião de Câmara, no passado mês de junho, e recebeu o voto contra do vereador Adolfo Mesquita Nunes (CDS), de acordo com a ata de reunião a que o SOL teve acesso. Ao SOL, Mesquita Nunes disse apenas que «as coisas não estavam bem esclarecidas», daí ter votado contra. 

Já o vereador Carlos Pinto, que esteve ausente nesta reunião, garantiu ao SOL que «está chocado com esta decisão de venda de património», chamando ainda a atenção para a perda de dinheiro para os cofres da Câmara.

Segundo Carlos Pinto, o valor patrimonial tributário desse terreno está fixado em 6,1 milhões de euros, no entanto, a autarquia pôs esse espaço à venda por cerca de 2 milhões de euros, destinado apenas a um único comprador. 

Perante esta decisão de alienação de património, aliado à perda de receitas, o ex-presidente da Câmara da Covilhã garantiu ao SOL que irá apresentar queixa junto no Ministério Público, na Inspeção-Geral das Finanças e no Tribunal de Contas. Também em cima da mesa está a hipótese de avançar com uma providência cautelar. 

O SOL sabe que há também quem tenha receio que este projeto habitacional possa pôr em causa o projeto tecnológico que está a ser desenvolvido na região, levando à destruição de uma área destinada a empresas e emprego, assim como a segurança de dados das várias empresas que estão ali sediadas. 

Presidente afasta receios

Mais tranquilo com esta decisão está o presidente da autarquia. Vítor Pereira garantiu ao SOL que «nada avançou sem os pareceres bem fundamentados», afirmando que o projeto tem como objetivo complementar a atual oferta empresarial e não destruir o tecido empresarial. «A ideia é que continuar a atrair investimento para aquela zona e para que os investidores que se queiram instalar naquele espaço tenham acesso a uma zona habitacional perto se assim o desejarem». 

E não tem dúvidas: «Nada colide com a Altice», lembrando que deu atempadamente conhecimento dessa intenção à empresa liderada por Alexandre Fonseca, acrescentando que os terrenos que vão ser vendidos estão localizados junto das vias de acesso, onde estava instalado o antigo aeródromo do concelho que foi desativado para receber o projeto do Data Center. 

Vítor Pereira afirmou ainda que continuam «a estar disponíveis 121.000 metros quadrados para comércio, serviços, habitação e indústria compatível com a habitação, tal como prevê o Plano de Urbanização da Grande Covilhã».

Contactada pelo SOL, a operadora admitiu que teve «conhecimento prévio do projeto, assim como das motivações, objetivos e contexto inerente a essa decisão do executivo municipal», garantindo também que «não se opõe a qualquer empreendimento habitacional desde que respeite a delimitação de espaço e dos terrenos definidos para implantação do Data Center da Altice na Covilhã. Mais se afirma que o terreno onde se localiza o Data Center da Altice Portugal possui, de acordo com o projeto pré-estabelecido e aprovado pela CM da Covilhã, o espaço necessário para a sua expansão». 

Um argumento que, ainda assim, não convence Carlos Pinto. «Por que razão a Câmara decidiu fazer de um parque que nasceu para acolher empresas – próximo de uma grande e única infraestrutura tecnológica – lotes para moradias», questionou o ex-autarca social-democrata.

Já em relação à diferença entre o valor patrimonial do terreno e o preço de venda, Vítor Pereira esclareceu que os cerca de dois milhões que são pedidos foram definidos pelos serviços de património da Câmara Municipal da Covilhã e justificados por «ser esse o valor de mercado». No entanto, o presidente da Câmara admitiu ao SOL que o preço poderá vir a ser superior depois de terrenos serem vendidos em hasta pública.

Quanto à possibilidade do vereador Carlos Pinto em avançar com uma providência cautelar, o autarca disse apenas que «pode fazer o que entender». 

 

Projeto antigo

Tornar a Covilhã num dos maiores centros de dados do mundo foi um dos objetivos da antiga Portugal Telecom, ainda sob a liderança de Zeinal Bava. Na altura, o CEO da operadora convidou todos os municípios a apresentarem propostas para receber este mega projeto, mas foi esta autarquia a vencedora.

Em setembro de 2013 foi inaugurado o primeiro bloco de quatro unidades de um dos dez maiores Data Centers do mundo, num investimento realizado de 100 milhões de euros – estava previsto investir no total 400 milhões de euros -, capaz de acolher 55 mil servidores, tendo já sido criados cerca de 500 empregos. Um projeto que levou a autarquia a ceder o antigo aeródromo para construir um novo e maior do que a anterior pista de 800 metros de extensão. 

«Este projeto não foi pensado agora, estamos a construir o futuro», afirmou, o ex-CEO da operadora, no dia da inauguração. «Se quiséssemos construir este Data Center em 2008 ninguém nos levava a sério. Tínhamos que apresentar resultados e mostrar que a nossa visão era deliverable».

Nessa altura, o objetivo era simples: internacionalizar este projeto em duas vertentes, servindo de base para as empresas que querem exportar, mas sendo também um centro para alojar clientes internacionais que se consigam captar no mercado europeu, africano e sul americano.

Uma ideia que foi depois acolhida e desenvolvida pela Altice, que classifica este projeto como um reforço da «capacidade do país enquanto polo de exportação de capacidade de armazenamento de dados de empresas e de serviços tecnológicos». 

Atualmente, o Data Center está organizado por quatro blocos principais e um de suporte, o que corresponde a 75.500 metros quadrados de área. A infraestrutura contém 24 salas TI com 12.000 metros quadrados de espaço amplo e tem capacidade para instalar mais de 50.000 servidores ligados à rede de fibra ótica.

Recorde-se que o anterior Governo, recorrendo a fundos comunitários, aprovou um Centro Universitário de ‘Cloud Computing’, a ser promovido pela Universidade da Beira Interior (UBI), como preparação para uma nova área de emprego especializado para sediar jovens saídos da universidade UBI, travando o abandono desta zona do país. 

A constituição deste centro foi só formalizada no ano passado e prevê um investimento superior a 1,7 milhões de euros.