No meu Sporting…nada de novo

Durante 50 anos esperei que o bom senso voltasse àquela casa para me fazer sócio. E esteve quase a acontecer na presidência de Dias da Cunha

Se reportar a filiação sentimental no Sporting à entrada na escola primária, estarei de volta ao ano de 1953, quando o naipe dos ‘cinco violinos’ começava a desfazer-se, com a saída prematura do dianteiro mais eficaz da história do futebol, Fernando Peyroteo. 

A opção tinha uma explicação bem simples: um dos ‘cinco’ residia no Seixal, era quase meu vizinho, o que fazia dele o ídolo da pequenada: éramos todos do Sporting, ou melhor, éramos todos Albano. 

Aos 16 anos, já com dinheiro ganho por mim, fui pela primeira vez a Alvalade. O Sporting perdeu, os jogadores foram insultados, mais que todos o treinador Fernando Vaz, que, na época anterior, fizera prodígios no Vitória de Setúbal. Treinador excelente quando treinava outros clubes, no Sporting só muito raramente conseguiu levar os contratos até ao fim. 

Uma sina que persegue os treinadores do clube e que atingiu o paroxismo quando Robson foi impedido de ganhar o campeonato… pelo presidente do clube. 

Nessa primeira ida a Alvalade, à saída do estádio, deparei com uma espécie de auto-de-fé, consistente no rasgar cartões de sócio – que, soube mais tarde, era o desporto favorito dos adeptos. Eis um clube singular, que se compraz em flagelar-se — pensei com os meus botões. E a filiação como sócio ficou adiada.

Passaram uns anos e umas quantas decepções até à gloriosa jornada dos Magriços, no Mundial de 1966. Nesse Verão, o orgulho sportinguista foi ao rubro com as exibições de José Carlos, Morais, Alexandre Batista e Hilário. Os homens da defesa estiveram bem à altura dos pés de veludo de Vicente e do poder de ataque de Jaime Graça, José Augusto, Eusébio, Torres e Simões. Foram dias de euforia em que a assinatura da ficha de sócio esteve por fio. Fio esse que se quebrou, dois anos depois, na Volta a Portugal em Bicicleta. 

Estava Joaquim Agostinho a mostrar ao mundo a fibra de um português de Torres Vedras, sucesso sobre sucesso em terras da Gália, quando alguém, na estrutura dirigente do Sporting, entendeu que o homem precisava de ser dopado para ganhar a Volta a Portugal. Nos anais do ciclismo nacional, Agostinho conta com três triunfos, mas contaria com sete, se gente do clube não lhe tivesse roubado quatro. Mais uma vez verificava que os inimigos do Sporting estavam dentro de casa. 

Durante cinquenta anos esperei que o bom senso voltasse àquela casa para me fazer sócio. E esteve quase a acontecer na presidência de Dias da Cunha que, com Miguel Galvão Teles na Mesa da Assembleia Geral, devolveu a Alvalade algum do respeito perdido. Em plena exaltação do centenário do clube, tomei a decisão de assinar a ficha; mas depressa me dei conta de que, mais uma vez, havia gente do clube a trair a direcção. E voltei a pensar: ‘Náaaa, ainda não é desta. Esta gente não tem emenda!’. 

Mesmo assim, mantive a afición em lume brando até à tragédia de Alcochete – dia em que o meu sportinguismo foi atirado para o congelador, onde ainda se mantém. 

Agora, o Sporting levou cinco do Benfica. Não gostei, mas já não doeu. Tudo indica que estou curado.