João Cotrim de Figueiredo. “Oposição passou demasiado tempo a lamber feridas”

O cabeça-de-lista por Lisboa da Iniciativa Liberal tece duras críticas ao desempenho do PSD e CDS como oposição, durante a legislatura. Para João Cotrim Figueiredo, nos últimos anos não tem havido ‘um nível de oposição frontal, direto, incisivo, combativo e também irreverente’. 

João Cotrim Figueiredo, cabeça-de-lista pelo Iniciativa Liberal em Lisboa, associa o Governo de António Costa a «falta de honestidade», «manipulação» e «incompetência» em várias medidas que foram tomadas e que levaram o país a uma «quase estagnação» e a um «estado medíocre». Críticas lançadas pelo ex-presidente do Turismo de Portugal e empresário na hora de avaliar os últimos anos políticos às quais o Presidente da República não é isento, sobretudo na aprovação das 35 horas semanais. 

Em entrevista ao SOL, Cotrim Figueiredo salienta as «ideias liberais nunca tiveram espaço e importância» em Portugal e fala de algumas propostas do Iniciativa Liberal, como a revisão profunda do IRS criando uma taxa de 15%. Deixa ainda alguns elogios à mandatária do partido Zita Seabra por quem diz ter um «enorme respeito» pela «coragem que manifestou toda a vida».  

Sempre esteve ligado a empresas e ao Turismo. Por que decidiu entrar agora na vida política? O que o chamou?

Porque há um sistema demasiado conformado e resignado perante coisas que estão num estado medíocre. Olhando para trás, nos últimos 25 anos, Portugal marcou passo. 25 anos é muito tempo, é uma geração. O que há hoje em Portugal é quase uma estagnação. E o que havia no espetro político não estava a dar resposta. Uns estavam a governar com enormes debilidades e os que estavam na oposição não estavam a fazê-la. É também por isso que aparece a Iniciativa Liberal (IL). Há um espaço que não estava a ser preenchido.

Porquê a aproximação à Iniciativa Liberal? 

Portugal nunca teve um período em que fosse um país liberal, onde as pessoas pudessem fazer o que lhes apetecesse nas esferas privada, profissional ou política. Por muitos motivos, as ideias liberais nunca tiveram o espaço, a importância e o poder que deviam ter tido e que teriam feito de Portugal um país muito mais desenvolvido com pessoas muito mais realizadas. 

A direita está em crise. Os pequenos partidos que estão a surgir podem vir a ocupar esse espaço? 

Há um descontentamento generalizado com a governação socialista que, em bom rigor, nunca deixou de existir desde a famosa Constituição de 1976. E durante todo este tempo a governação socialista deixou de pôr o indivíduo no centro das preocupações, está demasiado preocupada com grandezas macroeconómicas, com grandes números sociais e com o tratamento de grandes grupos. Os tratamentos individuais deixaram de estar no centro das preocupações dos partidos, incluindo dos que se dizem personalistas. Vale a pena voltar a introduzir estes temas na agenda, não tanto numa lógica de refundar a direita, porque não temos essa pretensão e não é isso que nos move, mas para recentrar o pêndulo daquilo que tem sido um pendor socialista nos últimos 40 anos e que tem sido completamente sufocante.   

Tem havido alguma turbulência no PSD e no CDS. Como vê os partidos de direita? 

Não comento a vida interna dos outros partidos. Mas um nível de oposição frontal, direto, incisivo, combativo e também irreverente não está a acontecer. E isso tem como consequência que as pessoas não vêem uma alternativa e acabam ou por se desligar da vida política por falta de motivação, ou acabam por votar naquilo que consideram ser um mal menor.   

Que setor vai ser mais afetado com as medidas deste Governo?  

Há três coisas que estão manifestamente erradas com esta governação. Primeiro, há uma enorme falta de honestidade política numa série de matérias que o Governo tem vindo a implementar. Depois, há uma falta de ambição, que é grave em termos de futuro, quando se olha para um crescimento medíocre. No último debate do Estado da Nação vimos o primeiro-ministro radiante com aquilo que tinha conseguido nestes últimos quatro anos, mas tudo o que fez foi repor aquilo que num período difícil de intervenção financeira tinha sido cortado. Não há uma política e não há uma visão. E, em terceiro lugar, há uma enorme incompetência em tudo o que é gestão de serviços públicos. 

Em que serviços há incompetência?

Podia elencar, sem exagero, 20 casos que nos últimos três meses demonstram essa incompetência e não estou só a falar das filas do SEF, do cartão de cidadão, das listas de espera para as cirurgias nos hospitais, da falta de obras nas escolas, da falta de espaço nos tribunais ou da falta de pessoal em tudo o que é serviços públicos. Tudo isto resulta não só de falta de investimento, também há falta de planeamento.  

E onde vê a falta de honestidade do Governo? 

Tem sido feita manipulação em vários assuntos. O mais evidente talvez seja a semana das 35 horas, que é coisa que não se percebe como é promulgada no pressuposto que não tem custos quando andamos o resto da legislatura a esconder que é preciso recrutar mais pessoas para tudo quanto é serviços. Os custos existem. Uma redução de cinco horas, de 40 horas para 35 horas, corresponde a um corte de 12,5% na força de trabalho. É óbvio que ia ter impacto. E aí o Presidente da República também esteve mal. Porque começou por condicionar a aprovação ao facto de não haver custos. Agora que se comprova que há custos, que não são pequenos, não ouvimos uma palavra. 

Como classifica o mandato do Presidente da República?   

O Presidente da República tem estado mais preocupado com a estabilidade imediata do sistema. Até admito que num momento de crispação,  em 2015, pudesse precisar desse tipo de pacificação, mas não precisava de assumir esse papel durante quatro anos. O sistema precisa de viver de dialética, de confronto e de ideias alternativas. Isso, o Presidente da República não tem feito o suficiente para permitir. Mas não é o responsável pela ausência de oposição, sejamos claros. A oposição passou demasiado tempo a lamber feridas daquilo que se passou nas legislativas de 2015 e ainda não tirou o olho da bola completamente.

O que falta para haver uma oposição mais firme? 

Falta mais força à Iniciativa Liberal. [risos] Isto é apenas uma semi-piada porque aquilo que se tem visto é que há assuntos que só a IL pega. É o caso da reclassificação da TAP para efeitos de défice público. 

Conseguiram 29 mil votos nas europeias. Qual a vossa estimativa para as legislativas? 

É muito difícil dizer isso. O que sabemos é que há dois distritos onde a nossa expressão eleitoral nas europeias teve mais impacto, que foi em Lisboa e no Porto. Podemos olhar para o último deputado desses círculos como uma fasquia que temos de saltar. Temos a expectativa e o objetivo de eleger um deputado em Lisboa e um deputado no Porto, pelo menos.

Esse seria o resultado aceitável? 

Não. Esse seria um bom resultado. 

Foi anunciada Zita Seabra como mandatária da IL. Como surgiu esse convite? 

Na IL os convites nascem quase todos da mesma maneira. Quem participa em atividades ou eventos da IL e se sentiu atraído pelas ideias, dá origem a uma conversa ou duas e quando a afinidade é suficiente nascem os convites. E Zita Seabra não foi exceção. É uma pessoa de enorme coragem política porque as pessoas que criticaram esta sua opção parecem ignorar que para a Zita Seabra era muito mais fácil deixar-se estar na sua vidinha de editora livreira com sucesso e não se expor a este tipo de achincalhamento que às vezes acontece a quem se mete na vida pública, sem nada para ganhar.  Zita Seabra não tomou esta decisão para estar num partido que tem imensos cargos para oferecer.   

A maior parte das críticas à decisão de Zita Seabra passam pela ligação ao PCP. Como vê estas críticas? 

Posso admirar-me que alguém possa estar tanto tempo dentro do PCP e possa não ter percebido que o caminho não era esse. Mas as coisas têm um tempo de maturação. E quem sou eu para questionar o tempo de maturação de Zita Seabra, uma pessoa pela qual tenho o enorme respeito e sobretudo pela coragem que manifestou toda a vida, inclusivamente agora. Este passo que ela deu para dar a cara não é fácil e não tem downside só tem upside.  

O que acha desta solução política da ‘geringonça’? É uma estratégia que vai ser seguida no futuro por outros partidos? 

Penso que sim. A partir do momento em que há mais fragmentação partidária, as grandes coligações e alinhamentos vão tender a ser a norma, porque nem todos os partidos e se calhar nem dois partidos vão conseguir ter maioria para governar em estabilidade. Não é tanto a existência de coligações que acho que é estranho, diferente ou nefasto. Nada disso. 

Então?

O que acho é que o PS não tendo ganho as eleições nas urnas e encontrando esta forma para conseguir maioria, acabou por se coligar com partidos que não é só ao nível da Defesa e da Europa que têm posições muito diferentes das do PS. São partidos que nunca vi renegar as suas origens marxistas-leninistas num caso e noutro caso marxistas-leninistas-trotskistas e que continuam frequentemente a vir à liça para defender ditadores como Maduro ou o que se passa na Coreia do Norte. E esse tipo de coabitação é que me parece bastante mais difícil.  

A IL admite consensos com outros partidos? 

Que defendam regimes autoritários e a abolição da liberdade individual, nunca. 

Mas entre o CDS ou PSD, admitem estabelecer algumas pontes? 

Evidentemente. Não somos irrealistas. Sabemos que para valer os nossos pontos de vista temos que ir buscar aliados.  

Já tiveram conversas com outros partidos? 

Sim. Contactos, sobretudo pessoais, há bastantes. Mas ainda não é tempo…estamos em pré-campanha, virá o tempo de campanha, depois chegam as eleições para formar o novo desenho parlamentar. Essa será a boa altura para medir esse tipo de proximidade. 

Mas são contactos formais entre partidos?

Não. São contactos pessoais. Conhecemos as pessoas, andamos na vida pública e na vida política e falamos daquilo que são as ideias. Há pontos onde achamos que é possível conseguirmos chegar a consensos, noutros não temos sequer ainda a noção se é possível. Veremos a seu tempo.

A que temas daria prioridade caso fosse eleito deputado único?

Talvez onde as iniciativas legislativas se fizessem sentir mais seria ao que chamamos descomplicar Portugal. O país é demasiado complexo para coisas que deviam ser simples. Há um conjunto de medidas, que passam pela forma como acedemos aos fundos comunitários, pela forma de organizar a contratação pública, pela forma de aceder ao sistema judicial ou de obter determinado tipo de licenciamentos, que estão a inverter completamente aquilo que devia ser a norma. Os portugueses não são nem crianças nem meliantes e, portanto, devem ser tratados como pessoas capazes de tomar as suas próprias decisões. As verificações da conformidade daquilo que querem fazer com a lei devem ser mínimas tanto quanto possível, de forma a fazer recair todo o esforço da Administração Pública sobre a fiscalização e não sobre a aprovação. 

Que outros dossiês iria trabalhar?  

Há três ou quatro políticas próprias que têm de ser postas na agenda para serem discutidas. À cabeça delas a revisão profunda do IRS. Porque o IRS não é só um imposto injusto e excessivo mas é também um imposto hipercomplicado. E a nossa proposta de criar um imposto sobre as pessoas singulares, através de uma taxa única de 15%, é uma forma de pôr este tema na agenda. Em segundo lugar, na Educação e na Saúde adotar políticas que consubstanciem o princípio de que as pessoas devem ser livres para escolher a escola que querem para os filhos e os hospitais onde querem ser assistidos, sejam públicos ou privados.  

A liberdade de escolha é uma ideia que tem sido defendida pelo CDS… 

São ideias que já andaram, de uma forma ou de outra, na agenda política. Mas nunca nesta lógica de que é uma forma de respeitar a liberdade individual das pessoas e fornecer-lhes escolha.  

O país está preparado para essa mudança de paradigma? 

Poderia perguntar ao contrário: o país está preparado para não haver esta mudança de paradigma e haver esta estagnação? Há um ciclo quase infindo de pessoas que nascem em meios mais desfavorecidos e que têm de ir para a escola pública mais próxima e se não arranjarem maneira de aldrabar o sistema e de inventar uma morada falsa têm que ir para aquela escola que não é a melhor. Ficar parado, muitas vezes, é a coisa mais perigosa que se pode fazer.  

Esteve muito tempo ligado ao turismo, que é agora um setor estratégico para o país. Acha que já há turistas a mais? 

Gostava que alguém me explicasse duas coisas: primeiro, qual é a linha a partir da qual passam a ser a mais, se é a partir da altura em que alguém não gosta ou que alguém tem mais de dois alojamentos locais no seu prédio; e a segunda é no caso de chegarmos à conclusão que há turistas a mais e que devemos limitar o número, como é que isso se faz. Fechamos as fronteiras? Impedimos as pessoas de comprar bilhete de avião? Torna-se o país desatrativo? A liberdade individual não se aplica só aos residentes em Portugal.  

Como se pode regular? 

Em qualquer mercado, a única maneira de regular é através da relação qualidade-preço. Se há realmente turismo a mais, os turistas que visitam o país também vão achar que há turismo a mais. E nesse caso vão pensar  que não vale o preço que está a ser pedido. Isto faz com que se chegue a um equilíbrio. O turismo trouxe muitas vantagens para o país, sobretudo quando comparamos o estado das nossas cidades e dos centros históricos, o estado de boa parte da indústria privada do turismo e dos serviços que à volta dela gravitam, antes do boom turístico. Aqueles que são carpideiras profissionais já se esqueceram que tínhamos centros históricos desertificados, degradados, com problemas de salubridade e de criminalidade. 

O país está demasiado dependente do turismo? 

Não, de todo. Não me preocupa tanto o espaço que o turismo tem para crescer, o que me preocupa é o espaço que as outras atividades não tiveram para crescer. O turismo representará hoje cerca de 12% do PIB. Precisávamos de dois setores tão exportadores como o turismo para termos o nosso PIB representado por atividades que fossem competitivamente poderosas. E não temos. 

No que diz respeito ao alojamento local, há várias cidades europeias, Lisboa incluída, que começam a impor limites. Como vê esta medida? 

As autarquias devem ter um nível significativo de autonomia relativamente ao tipo de cidade que querem oferecer aos seus habitantes. Se alguma autarquia ou algum autarca decidir que no seu concelho não há turismo é algo que devemos respeitar porque localmente faz sentido e ele introduzirá as limitações que quiser. 

A vida na política é para continuar a longo prazo?

Há três meses não sabia que ia estar envolvido nesta luta, portanto falar dos próximos 48 meses não é fácil. O que sei é que quando tomei a decisão de aceitar este desafio foi com a firme intenção de ser eleito em Lisboa e de ajudar tanto quanto possível os nossos cabeças-de-lista a serem eleitos nos respetivos distritos. Esta não é a minha vida, não sou político mas estou político e não tenho qualquer pejo, não acho que seja uma atividade pouco nobre, antes pelo contrário. Precisa é de uma injeção de pessoas que não estejam alinhadas com os vícios antigos do sistema e que não dependam da política para a sua realização pessoal e profissional.