Um dia destes estava num restaurante e pus-me a observar as pessoas agarradas ao telemóvel. Poucos eram os que não tinham o aparelho numa das mãos, enquanto o(s) seu(s) parceiros ou faziam o mesmo ou olhavam para o ar. Poucos tinham uma conversa que não ia além de levantar a cabeça do telemóvel e abaná-la, concordando ou não com o pouco que o outro dizia. Sendo assim, é natural que muita da realidade que absorvem seja dada pelo que aparece no seu Facebook, Instagram ou Twitter.
E é por essa razão que se vive um verdadeiro histerismo com a história do momento: Bolsonaro é um bandido que merece ser boicotado de todas as formas e feitios, logo, nada como lançar um alerta viral para se boicotar a carne brasileira. E lá vai uma autêntica carneirada boicotar os talhos que vendem picanha e maminha brasileira. Uma semana depois já ninguém se lembra da história e voltam a comer a carne do país de Bolsonaro, pois é preciso avançar para a nova causa.
É extraordinário como há milhares de pessoas que entram nesse jogo. Há uma tragédia num país qualquer perto de nós, e logo os utilizadores do Facebook mudam a sua cara de apresentação na rede social. Em qualquer café, onde os telemóveis têm uma pausa de segundos para os presentes conseguirem debitar três ou quatro palavras, o tema da conversa é aquele que aparece nas tais redes sociais. Existe um verdadeiro vazio provocado pela droga que são as redes sociais. Nunca se falou tão pouco e nunca se disseram tantos disparates.
E foi por essa razão que estranhei a afirmação de politólogos ao jornal i, de que não acreditam que as redes sociais venham a ter alguma importância nas legislativas de outubro. Pode ser que tenham razão e que as redes sociais sejam um mundo muito próprio que morre precisamente aí. As pessoas colocam likes a torto e a direito, o que não significa que façam mais alguma coisa sobre essa matéria.
Não quero com isto dizer que as redes sociais sejam o mal do mundo. Aí também há coisas muito positivas, além das óbvias – pessoas que não se encontravam há muitos anos e descobriram outras que já pensavam desaparecidas -, como é o caso dos movimentos que se criam para ajudar determinadas causas. Veja-se o caso da menina que precisava de dois milhões de euros para se comprar o medicamento que a podia salvar. Num ápice o dinheiro apareceu. Dois milhões de euros!
A propósito, os pais da menina não precisaram de usar esse dinheiro porque o Estado fez o seu papel e adquiriu o medicamento. Mas decidiram que não devolveriam a verba angariada porque com esse valor poderiam ajudar outras crianças com o mesmo problema ou outros semelhantes. E aqui fico pasmado: desde quando é que esse casal pode estar a gerir o dinheiro que lhes foi confiado para salvarem a sua filha? Estarão preparados para isso? Não seria mais razoável que entregassem esse dinheiro a uma instituição que tenha mais experiência nessa matéria? Ou que devolvessem o mesmo a todos aqueles que contribuíram? Não o fazendo, deram azo a todas as especulações. O que não é bom para as iniciativas louváveis que a sociedade civil vai conseguindo em prol de causas nobres. Curiosamente, criadas nas redes sociais.
vitor.rainho@sol.pt