Há uma marcante distinção entre o repúdio social ao grande prevaricador, sobretudo após a respetiva condenação penal e a quase complacência pela idiossincrasia latina no que toca ao malandreco, geralmente confundido com um azougado criativo apto a encontrar soluções ínvias na linha do pragmatismo, do oportunismo e de outros ismos. Contudo, a propensão do malandreco ir evoluindo para o grau superior de prevaricação existe desde que o ambiente lho permita. Florece assim o rebento em jardim de marotice.
Recordemos as ocorrências gravosas no universo Espírito Santo, após o regresso do grupo ao mercado português, talvez por o ter feito descapitalizado, com certeza porque a precoce morte de Manuel Ricardo, filho do exemplar banqueiro Manuel Espírito Santo, entregou os destinos da casa a quem definitivamente o não merecia no plano ético.
Nos fins do século XX sussurrava-se na comunidade financeira que havia na equipa do BES e empresas circundantes, irregularidades e aventureirismos. Apesar disso, o BdP ignorou a gravidade potencial, como no entretanto ocorreu e ainda ocorre relativamente a outras instituições, segundo uma estranha apatia reguladora. Todavia, veio depois a verificar-se o escândalo a cujos efeitos ainda se não pôs cobro. Misto de imoralidade e amoralidade.
A par disso, é conhecido o procedimento negativo de autarcas e gestores na confluência da corrupção ativa e passiva. Fazem-se fortunas cujos sinais de êxito nem sequer são escondidos. Conheci de perto o caso paradigmático de Oeiras lastimando o enlameamento de uma ação política em muitos aspetos positiva. Como também me tocou ser padrinho de crisma de um futuro presidente do meu clube desportivo de eleição, neto e filho de boa gente, advogado bem preparado, mas aventureiro de descarado comportamento.
Resulta de tudo isto que tenho para mim mais importante do que tentar contabilizar os malandrecos, ou mesmo malandros de cada organização ou formação política, o ajuizarmos cuidadosamente se o ambiente é propicio ao desenvolvimento pecaminoso. Ou seja, repetindo-me, se temos ou não em presença um jardim da marotice.
Como eu desejaria ver o PS liberto do socratismo a par de ter a certeza de que as graves peripécias também verificadas no passado no PSD e no CDS, não deixaram escola. Reconheço aí a indiscutível idoneidade não só de Passos Coelho de quem tenho saudades, mas também de Rui Rio, Luís Montenegro (alternativa possível) de Assunção Cristas, como também não me merece duvidas o quase puritanismo dos responsáveis pelo PCP, a quem muito embora deixo a provocação, como leitor atento que fui de Karl Marx, que evoluam deixando o legado estalinista. Efetivamente, o sociólogo a ser vivo enveredaria, numa segunda edição do livro base, para a atual conceção do social liberalismo, como Zita Seabra soube compreender.
Não conheço suficientemente a Iniciativa Liberal como organização política, embora surja com a frescura doutrinária, que vingou em Espanha com os Cidadãos e terá inspirado um movimento aliciante encabeçado pelo presidente Macron. Também não me resulta legitimo falar do Bloco de Esquerda, em matéria ética, pelo desconhecimento que tenho dos seus militantes, que seguramente se não resumem às quatro sugestivas senhoras que Francisco Louçã sabe ensaiar com eficiência. Apesar disso, não deixarei de abordar os seus procedimentos políticos em próxima reflexão. Sempre me seduziu a heterogeneidade comunicacional, que vai da informação à publicidade para se chegar depois à propaganda.
*Resiliente militante do envelhecimento ativo