A interceção de escutas telefónicas ao major Vasco Brazão incluídas nos autos do processo de averiguação ao roubo de armas em Tancos indiciam que este oficial, responsável da Polícia Judiciária Militar (PJM) à data da investigação do caso, se quis mesmo referir a Marcelo Rebelo de Sousa como «o papagaio-mor do Reino», apesar de o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, estar agora a garantir o contrário.
Com efeito, disse Brazão à sua irmã ao telefone, a 5 de abril deste ano: «Vais ver que o papagaio-mor não vai falar sobre Tancos tão cedo. O papagaio (…) do Reino não vai falar sobre Tancos tão cedo. Pois, porque eles sabem, aliás o Sá Fernandes já fez chegar à Presidência que eu tenho um e-mail que os compromete. Portanto, eles não vão falar sobre Tancos tão cedo.» As palavras do major parecem apontar claramente para o presidente da República como o «papagaio-mor», uma vez que não existe outro porta-voz de Belém que não o próprio Rebelo de Sousa.
Mas, em declarações à TSF, Sá Fernandes procurou hoje desmentir esta interpretação: «Não metam o PR nisto, porque ele não tem nada a ver com isso. Já Vasco Brazão foi ouvido pelo Ministério Público durante o inquérito sobre essa escuta, e teve oportunidade de esclarecer os pontos que interessavam: primeiro, que não visava o senhor Presidente da República; segundo, que não tenho nenhum elemento que indique que o Presidente da República estivesse a par do que tinha acontecido em Tancos, aquando da recuperação das armas.» O advogado não se pronunciou sobre a revelação do seu constituinte de que o próprio Sá Fernandes fizera chegar à Presidência da República a informação de que Brazão possuía «um e-mail que os compromete».
Nas declarações que prestou ao Ministério Público, se bem que procurasse não envolver diretamente o Presidente na questão, o oficial também não foi inteiramente claro quanto a negar que se referia a Rebelo de Sousa, dado ter apenas afirmado que «papagaio-Mor do Reino não é necessariamente o Presidente da República». Tentou depois ser mais vago: «Elucidou que, quando falou de papagaio-mor do Reino e Presidência, estava, de facto, a falar da Presidência da República e dos lobbies que existem na proteção da Presidência da República, quanto ao caso de Tancos.» Procurou sempre alargar o âmbito das pessoas visadas, sem querer confirmar de quem de facto se tratava: «Papagaio-mor do Reino são vários: desde o [advogado e comentador televisivo José Miguel] Júdice, ao Presidente da República, ao [também advogado e comentador de TV] Miguel Sousa Tavares, que andam sempre aqui à volta, à volta de Tancos, e outros.» E em seguida alegou memória difusa das suas palavras: «Não sabe se nessa sessão [chamada telefónica] se estava a referir ao [Luís] Marques Mendes [ex-líder social-democrata e igualmente comentador de televisão], não sabe quem é que tinha falado, porque, referiu, há vários, há vários que vão falando sobre isso. O Marques Mendes é um deles, o Presidente da República também. No fundo, o que eu me queria aí referir tem a ver, tem a ver com a direita.» Acerca dos comentadores, especificou também: «Eles são a voz do Presidente da República.» Para, a seguir, garantir: «O que é certo é que a conversa deixou de existir. Deixaram de falar de Tancos…, estranhamente.»
Numa conversa telefónica que teve com o seu pai a 1 de abril deste ano, Brazão, que foi inspetor-chefe da PJM, afirmou também: «Nós temos provas concretas em que a Casa Militar foi informada, a Casa do Presidente. Temos provas concretas, há e-mails. Portanto, não há que fugir a isso. Agora, não sei se ele quer falar já ou se é só em julgamento.»
A propósito da audiência judicial, ainda por marcar, o major afirmaria de resto à irmã, na já referida conversa de 5 do mesmo mês: «E quando for o julgamento isto vai rebentar. (…) Aliás, a minha ideia era escrever um livro para sair na altura, quando começar o julgamento. (…) Ainda tenho que falar com o Sá Fernandes».
Ao contrário do que tem sido avançado na comunicação social, a referência ‘papagaio-mor’ não foi apagada da acusação.
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