Somos todos testemunhas de dinâmicas fortemente incentivadores do aparecimento de novos nichos eleitorais que, criando novas oportunidades de intervenção política, levam à chegada de novos partidos e de novos políticos. O multipartidarismo e a renovação de protagonistas instalaram-se implicando a formação de diversas soluções governativas, com possibilidade de diferentes configurações.
Tal situação conduz a uma forte diversificação de estratégias para a mobilização dos cidadãos para os seus deveres cívicos eleitorais, que, paradoxalmente, podem ser fortemente enfraquecidas pela proliferação de ofertas eleitorais não fundamentadas e, pior, visivelmente inviáveis. Tudo isto é percebido pelos cidadãos através de uma simples confrontação quer com a realidade, quer com a sua experiência da vida, tudo feito á luz de uma sensibilidade de reconhecimento da recorrente distribuição seletiva de privilégios, perceção que redimensiona automaticamente o seu conceito sobre o estado da justiça social, naturalmente subjetivo.
Verdadeiramente intrigante é o facto de muitos dos proponentes de medidas políticas não se esforçarem o suficiente para contrariarem a ideia popularizada de que existem certos interesses que usufruem invariavelmente de apoios públicos, o que implica, em contraponto, uma perceção individual e generalizada de que há uma larga faixa da população que é excluída dos benefícios públicos.
Sendo certo que a política reflete conflitos de interesses irreconciliáveis, é igualmente certa a impossibilidade de se baralharem os interesses de qualquer cidadão minimamente informado.
Caminhamos para um novo estádio de desenvolvimento económico e social em que a satisfação das necessidades e anseios básicos da população tem como pressuposto primeiro a capacidade coletiva de geração de riqueza e sua consequente redistribuição. Situação que, na atual fase de transição de ciclo, obriga ao afastamento progressivo de situações de miséria e de pobreza das faixas mais desprotegidas da população residente, onde se incluem os migrantes que desempenham(rão) papeis de menor relevância em termos de estatuto social.
Estamos em período excecional da nossa vida coletiva em que políticos têm dedicado parte substancial do seu tempo à formulação de propostas que consideram com poder de atração de votos e à demonstração de qualidades que pensam não serem visualizadas ou validades pelos potenciais eleitores. Fica a sensação de que todos nos esquecemos, demasiadas vezes, que as avaliações realizadas pelos eleitores não têm apenas a ver com as promessas e posturas eleitorais.
O drama é que a penalização eleitoral tem assumido expressão crescente via abstenção eleitoral, custo gravoso que parece não estar a ser devidamente considerados nem pelos políticos, nem pelas estratégias de mobilização para o voto, nem sequer pelo eleitorado.
Se não formos capazes de resolver este tipo de problemas, tanto governantes como outros agentes políticos serão substituídos por agentes de uma outra ordem, não democrática, aproveitando o hábito secular de que, no limite, quase todos os cidadãos se acomodam a uma certa imposição do poder que consideram como uma constante da vida – ‘eles é que sabem’.
Na verdade, sempre que os fantasmas e mitos tomam conta do nosso quotidiano, os valores do progresso, da democracia, da liberdade, do desenvolvimento e da paz perdem densidade. Estamos em época propícia a desmistificações e aniquilamento de fantasmas. É preciso perceber profundamente como a maioria das pessoas encaram a política, o que esperam da política, como se mobilizam para a política. Seremos coletivamente capazes disso? São precisas novas ideias, sabendo que tal exercício não traz nem prestígio, nem substancial fortuna.