«Comecei cedo (aos 32 anos) e acabei cedo (aos 65). É assim a vida. Dou graças a Deus por ter chegado onde cheguei, por ter vivido o que vivi, e por nunca ter sido demitido, ou pressionado a demitir-me, de qualquer cargo público ou privado, em mais de duas dezenas de funções que exerci ao longo da vida». Freitas do Amaral, que morreu ontem aos 78 anos, resume desta forma, nas suas memórias políticas, a sua longa carreira política e académica.
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Foi um dos fundadores da democracia. Fundou o CDS, em 1974, e liderou o partido durante 13 anos, primeiro entre 1974 e 1983 e, mais tarde, entre 1988 e 1992. «A Diogo Freitas do Amaral deve a democracia portuguesa o ter conquistado para a direita um espaço de existência próprio no regime político nascente, apesar das suas tantas vezes afirmadas convicções centrista», escreve o Presidente da República numa nota em que manifesta «o seu mais fundo pesar pelo falecimento de um dos quatro pais fundadores do sistema político-partidário democrático».
O Centro Democrático e Social (CDS) foi fundado em 19 de Julho de 1974 num contexto pouco favorável. «Foi importante que tivesse aparecido um partido com estas características, porque se isso não tem acontecido logo naquela altura o regime ficava desequilibrado. Era uma democracia com três grandes partidos de esquerda e sem nenhum partido de centro-direita. O que iria, provavelmente, refletir-se no apoio da direita a soluções extrademocráticas”, disse, numa entrevista ao SOL, publicada há três meses, o fundador do CDS.
«Preparei-me para ser Presidente da República»
Freitas foi quase tudo na vida política. Líder do CDS, vice primeiro-ministro, ministro em vários governos (primeiro da AD e, mais tarde, do PS) e presidente da Assembleia-Geral da ONU. Houve, porém, momentos que marcaram a sua vida política como a candidatura a Belém, em 1986, contra Mário Soares. Na entrevista ao SOL, Freitas do Amaral admitiu que gostaria de ter exercido o mais alto cargo da Nação. «Claro que tive pena. Mentiria se dissesse que não tive pena. Preparei-me para ser Presidente da República, tinha as minhas ideias e penso que teria sido um bom Presidente, mas em democracia os votos é que mandam. Perdi por 1,2% dos votos, e entre os candidatos que perderam tive o melhor resultado de sempre, até hoje. Foi uma demonstração de civismo e de alguma coragem ter sido candidato contra Mário Soares que é, no fundo, o símbolo do regime e, portanto, à sua maneira também foi um serviço prestado do qual não beneficiei pessoalmente». A disputa entre Freitas e Soares partiu o país ao meio e o fundador do CDS perdeu, à segunda volta, por menos de 150 mil votos. Para a história ficou também o sobretudo verde com que o candidato percorreu o país e que depressa se tornou moda entre os seus apoiantes.
A decisão política que o eleitorado de direita detestou
A longa vida política do fundador do CDS acabou também por ficar muito marcada pela viragem à esquerda. No último capítulo das memórias políticas, intitulado ‘Mais 35 anos de Democracia – Um percurso singular’, Freitas do Amaral escreve que a direita nunca lhe perdoou a aproximação ao PS. «Foi esta, de longe, a decisão política que o eleitorado de direita mais detestou no decorrer da minha vida política».
Freitas, que sempre se assumiu como um centrista, justificou a aproximação aos socialistas com a viragem à direita do PSD e do CDS. O fundador do CDS considera mesmo que pagou «um preço demasiado alto por ter aceitado ser ministro independente de um Governo do PS», porque as pessoas que o apoiaram as presidenciais, em 1986, não lhe perdoaram essa decisão.
Após a saída do Governo liderado por José Sócrates, em 2006, Freitas do Amaral não exerceu mais cargos públicos. «Não é que não me tenham sido feitos convites. Foram-me feitos convites e alguns deles muito honrosos, quer para lugares no estrangeiro, quer para lugares em Portugal. Mas o que veio a acontecer foi que, posteriormente, esses convites vieram a ser retirados com razões algo estapafúrdias. Houve claramente má vontade», contou na entrevista ao SOL.
Governo decreta luto nacional
O Governo vai decretar luto nacional no dia do funeral. O corpo do fundador do CDS vai para o Mosteiro dos Jerónimos, nesta sexta-feira, e o funeral realiza-se amanhã no cemitério da Guia, Cascais. «Acabou de falecer um dos fundadores do nosso regime democrático. À memória do professor Freitas do Amaral, ilustre académico e distinto Estadista, curvamo-nos em sua homenagem», refere uma nota do gabinete de António Costa.
O Presidente da República cancelou a ida ao Vaticano, onde iria assisti à cerimónia de elevação a cardeal de José Tolentino Mendonça, para marcar presença no funeral do fundador do CDS. «Tendo sido visto como um jovem com prematura feição de senador, nos anos 70 e 80, viveria depois, nas duas décadas seguintes, e deixar-nos-ia como um senador ainda com feição de jovem, nos seus sonhos e no seu deleite de viver cada dia», afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.