Faz este domingo precisamente um ano que a tempestade Leslie arrasou a região Centro de Portugal, causando prejuízos de enorme valor. No imediato, o Governo desencadeou mecanismos legais para apoiar as populações afetadas, mas a grande maioria continua ainda à espera dos prometidos apoios – só os agricultores do Baixo Mondego já foram ressarcidos.
Só em junho deste ano, oito meses depois da passagem do furacão, foram abertas candidaturas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) aos apoios para associações e entidades religiosas por despacho conjunto dos secretários de Estado do Orçamento e das Autarquias Locais. Estes apoios, através do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Coletiva, seriam afetos ao Orçamento do Estado para 2020, uma situação que se repete sobre os municípios que avançaram com candidaturas ao Fundo de Emergência Municipal e que continuam à espera de ser ressarcidos dos montantes que já gastaram.
O município de Montemor-o-Velho contabilizou cerca de um milhão de euros em danos em edifícios, equipamentos municipais e sinalização rodoviária, tendo avançado com fundos próprios para reparações – cujo montante vai a caminho do meio milhão. Segundo o seu edil, Emílio Torrão, candidatou-se a cerca de 700 mil euros à CCDRC. O autarca socialista revela ainda que as associações e coletividades daquele concelho do Baixo Mondego candidataram cerca de 1,1 milhões de euros e tiveram cerca de 775 mil euros de comparticipação validada… mas continuam à espera de receber o dinheiro.
"O Leslie veio para ficar e ainda hoje sofremos com o seu efeito Leslie. Causou um transtorno incrível. Temos um orçamento muito curto e ainda há relativamente pouco tempo passámos por um processo de grandes dificuldades financeiras", realçou Emílio Torrão à Agência Lusa. "É tudo pago com o pelo do cão, como se costuma dizer e perdoem-me a expressão. É tudo muito sofrido. A situação afeta toda a comunidade, nomeadamente o tecido associativo, que subsiste com graves dificuldades, com sedes encerradas e outros problemas por resolver. Nós só pagamos, ainda não recebemos nada, estamos à espera, acreditamos que sim, que venha. A Câmara deu a cara, saiu ao terreno e fez a recolha de todos os prejuízos, que transmitiu à CCDR e ao Governo e hoje as pessoas procuram-nos a nós porque somos o rosto das pessoas. Apetece-me às vezes dizer que não volto a dar a cara por estas coisas, porque efetivamente quem paga com os facto das coisas tardarem é a Câmara Municipal e não quem tem a responsabilidade e quem efetivamente pode ajudar", completou.
Segundo Emílio Torrão, a informação por parte do Governo é a de que "não havia orçamento" para fazer face aos prejuízos criados pela tempestade. "O furacão não estava previsto em orçamento, naturalmente era um imprevisto e tudo espera o cabimento orçamental. O Governo apregoa que é de boas contas, como nós na Câmara, e eu compreendo perfeitamente este argumento, mas sobretudo o que digo é que, como em tudo neste país, nós temos de ter a noção que temos de ser mais rápidos e mais céleres", sentenciou.
Na Figueira da Foz, o concelho mais afetado pela passagem da tempestade, com 38 milhões de euros de danos reportados (mais de um terço do prejuízo total de 100 milhões, aferido em meia centena de municípios de quatro distritos), a maioria em empresas privadas, a Câmara Municipal contabilizou cerca de 1,9 milhões de euros em prejuízos no espaço público e quase 850 mil em associações e coletividades. "Há uma questão orçamental que temos tido alguma dificuldade em superar, porque na realidade o esforço financeiro foi muito grande. Fundamentalmente, porque quisemos apoiar as coletividades, resolver o assunto das escolas com grande urgência e recuperar os espaços públicos o mais depressa possível", disse à Lusa o presidente da autarquia, Carlos Monteiro.
Frisando acreditar que o apoio financeiro do Fundo de Emergência Municipal "está bem encaminhado", o edil realçou ainda assim que a situação "criou um défice no orçamento [autárquico] de 2019" e lamentou a devastação do espaço verde, como o do Jardim Municipal ou o parque florestal da Serra da Boa Viagem, contabilizando-se milhares de árvores destruídas.
À agência Lusa, fonte da CCDRC explicou que a participação do organismo foi "meramente técnica, inicialmente de apoio aos municípios no levantamento dos danos e, posteriormente de apoio ao MAI, que controla todo o processo", e frisou que o dossiê "é da responsabilidade do Ministério da Administração Interna". Este, por sua vez, remeteu a questão para o Ministério das Finanças, que apenas aludiu às candidaturas recebidas no âmbito do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Coletiva, não esclarecendo quando eram pagos os apoios, o valor destes e a dotação do Fundo de Emergência Municipal. "No seguimento da avaliação feita às candidaturas recebidas no âmbito do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Coletiva, o valor de comparticipação elegível será disponibilizado até ao fim do presente ano", pode ler-se na nota emitida pelo Ministério das Finanças à Lusa.