Há quatro anos que uma rede vendia a livre circulação no espaço europeu a cidadãos provenientes de países africanos e da Península Indostânica, como a Índia, Paquistão e Bangladesh, sem que legalmente a ela tivessem direito. Para tal os imigrantes pagavam ao grupo quantias que variavam entre 700 e 15 mil euros e conseguiam viajar para países como Inglaterra ou Alemanha – muitos nem chegavam a entrar em território português.
Segundo a investigação, o esquema era liderado pelo advogado moçambicano Sabirali Ali, de ascendência indiana, e que no passado já havia sido condenado por crimes idênticos – envolvendo cidadãos brasileiros – a uma pena suspensa de cinco anos. Da rede, segundo o MP, farão ainda parte dois irmãos de Sabirali, os advogados Ana Bernardi e João Vaz. Além disso havia ainda elementos das Finanças, Segurança Social e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) – como é o caso de Sónia Francisco, coordenadora do posto de Alverca – feitos com o grupo.
Operação Rota do Cabo
Foram milhares os imigrantes ilegais que foram legalizados com recurso a contratos de trabalho feitos com empresas fictícias e a outros esquemas fraudulentos, como é o caso do casamento branco, como as autoridades denominam o matrimónio por conveniência com cidadãos europeus. E alguns dos imigrantes terão acabado vítimas de tráfico humano já em território europeu.
Na última terça-feira, a Polícia Judiciária levou a cabo uma mega operação, denominada Rota do Cabo, da qual resultaram diversas buscas e a detenção de dezenas de pessoas.
A rede era «constituída por indivíduos com vastos antecedentes criminais e com ligações a redes internacionais que determinam e controlam os fluxos migratórios irregulares».
«Os detidos, com idades compreendidas entre os 28 e os 64 anos, são suspeitos da prática dos crimes de associação criminosa, auxílio à imigração ilegal, de casamento por conveniência, de falsificação de documentos, de abuso de poder, de corrupção ativa e passiva, de branqueamento, de falsidade informática e acesso indevido, atividade criminosa que permitiu obter elevados proventos financeiros», acrescenta ainda a PJ.
Os detidos foram entretanto presentes a primeiro interrogatório judicial, tendo ontem o advogado Sabirali Ali ficado em prisão preventiva. O juiz de instrução criminal decidiu que os outros arguidos deverão aguardar em liberdade o desenrolar da investigação.
Como funcionava o esquema?
Portugal servia apenas como país de passagem onde nunca ficavam mais de dois meses, o tempo para obterem a autorização de residência e com ela poderem viajar para a Europa. Para agilizar o esquema, a rede contava com funcionários do SEF o que permitia não só escapar à fiscalização como obter, em processos geralmente morosos, a autorização de residência em tempo recorde.
Ao terem um contrato em Portugal, os imigrantes que pretendiam seguir para o Reino Unido conseguiam uma aparente legalidade da sua permanência em território europeu, descontando inclusivamente para a segurança social.
Para tal, a rede contaria com funcionários da segurança social, mas também das Finanças e do SEF. E, segundo as autoridades, o facto de os imigrantes saírem quase de imediato do país permitiu que este esquema durasse anos uma vez que não deixava rasto.
Como foram apanhados
O pack pago pelos imigrantes variava entre os 700 euros (o mais básico) e os 15 mil euros (obtenção de nacionalidade através de casamento branco). Tudo era muito simples.
Segundo o SOL apurou a Portugal chegaram ao longo de anos diversas carrinhas com pessoas da Índia, Paquistão e Bangladesh, a quem os escritórios alvo de buscas esta semana falsificavam documentos de trabalho. E o caso começou a dar nas vistas, uma vez que cada vez mais nacionais destes países estavam a chegar a outros países europeus com documentos falsos fabricados em Portugal.
Segundo fontes conhecedoras do processo, o principal risco desta porta de entrada ilegal é a possibilidade de haver mafiosos entre os que chegam, não sendo desta forma investigada as suas reais intenções. Na prática, Portugal poderia estar a legalizar homens e mulheres que no limite poderiam pertencer a uma qualquer organização terrorista, uma vez que o esquema dispensava qualquer controlo.
Segundo o SOL apurou, a Europol já há muito que anda a apontar o dedo a Portugal pelo facto de em muitos países europeus estarem a aparecer pessoas com documentos portugueses.
SEF está a colaborar
Na terça-feira, dia das buscas, o SEF confirmou as diligências da PJ, adiantando que «tem vindo a prestar toda a colaboração necessária a este órgão de polícia criminal».
Quanto à coordenadora Sónia Francisco explicam ainda que as suspeitas de envolvimento em legalizações desta natureza não são de agora: «A funcionária detida no âmbito da operação havia já sido constituída arguida no âmbito de um processo crime instaurado pelo SEF e alvo de um processo disciplinar comum, devido aos fortes indícios da prática dos crimes de corrupção passiva, abuso de poder e falsificação de documentos».