‘O jornalismo editorialista, governado pelos editocratas, anula a função crítica do jornalismo e funciona segundo a lógica do entretenimento: promove a encenação da polémica e debates que funcionam em circuito fechado’
António Guerreiro
Nos últimos dias ficámos a saber que o segundo Governo do Partido Socialista liderado por António Costa vai ter uma Secretaria de Estado, orgânica e funcionalmente direcionada para a área do Cinema, Audiovisual e Média. Na dependência do Ministério da Cultura. E não da Presidência do Conselho de Ministros, como sucedeu várias vezes nas últimas quase duas décadas. Do que se tem ouvido e lido, algumas vozes têm elogiado mais o titular do cargo (Nuno Artur Silva), outros a intenção da concretização de uma política pública para os Media. Alguns antes pelo contrário. Criticam o escolhido e o desenho jurídico e político na orgânica governativa (que mais não são do que os representantes das corporações que se alimentam do jornalismo de sarjeta e de modelos de financiamento pouco transparentes quanto à sua propriedade). No panorama atual dos Média em que é difícil com total transparência que se conheça a verdadeira natureza e propriedade de muitos deles e num quadro de grande debilidade (para não dizer em vários casos de falência) de muitos grupos de Média (grandes, médios e pequenos), faz todo o sentido que o Estado através do Governo tenha uma política pública para a ‘comunicação social’. No tempo do quarto equívoco e da fadiga informativa, isso é muito importante para os (as) portugueses (as). Por muitas razões. Desde a preservação da qualidade da democracia, da preservação do pluralismo (de opinião e de informação) até ao incremento dos direitos, liberdades e garantias. Pouca transparência pode significar o aumento de concentração. Veja-se a urgência de tributar os gigantes na internet (estimam-se em mais de 200 mil milhões de euros o valor perdido para os cofres públicos na Europa). Com muitos ignorantes especializados (’armados’ em especialistas de conveniência) que vivem da partilha de várias ignorâncias. Onde a secundarização da verdade pelos sensacionalismos assume contínuos escândalos. Os direitos e as garantias cada vez mais têm dificuldade em se explicarem em competição com o mercado do ruído, da polémica e da chacina mediática.
A mediatização da justiça não se deve fazer ao contrário da defesa dos direitos, liberdades e garantias.
O medo e a polémica vendem como nunca. Isto acontece quando já estamos no tempo do pós mais e melhor informação. Vivemos em modo de ‘mediarquia’ segundo Yves Citton. Nos últimos tempos temos visto muitos jornalistas e figuras públicas a falarem que é preciso combater as fake news. Fazem-no hipocritamente. Muitos deles é do que se têm alimentado na sua vida jornalística e pública.
A sanita da (des) informação que são as redes sociais têm como fontes muitos jornalistas e seus amigos, alguns com falsos perfis.
Até porque são os falsos anónimos que adoram alimentar e viver do mexerico transvertido de informação e suspeita baixa e canalha.
Não é politicamente correto dizer-se: mas as redes sociais matam e chacinam muita coisa boa e muita gente de bem.
Já lá vai o tempo em que tínhamos a coragem de dizer o que não sabíamos e que tínhamos o cuidado de não acreditar em mentiras que encantam.
Noam Chomsky na década de 90 do século passado já tinha chamado a atenção para o que chamou da fábrica do consenso, sobre muitas destas matérias.
Nunca como nos anos mais recentes com base nas redações depauperadas, nos baixos salários e na precariedade laboral, não faltam histórias verídicas do que se fala por aí destas e de outras coisas que tiram muita estabilidade e brio profissional.
A liberdade e a sustentabilidade dos Média, com ou sem o apoio do Estado (Governo), têm de ser repensadas.
É como nunca urgente que se escrutine quem escrutina, que se fiscalize quem fiscaliza, que se policie quem policia ética e moralmente e quem está a levar (com poucas exceções) o jornalismo para a sarjeta. Quem tem medo disto? Em 2013, ficou ao nível do Governo de então, preparada e pronta para ser executada uma reforma da comunicação social em Portugal. Estruturada e comparada à escala europeia. Desde os modelos de regulação à auto regulação, da obrigatoriedade da transparência da propriedade (onde se procurava que jornais como o jornal da Madeira e o Diário do Alentejo não deveriam ser de propriedade pública), até a um novo modelo de financiamento e de sustentabilidade dos Media. Como também, muitas outras matérias complementares, na área da qualificação e contratação de jornalistas, promoção de parcerias e fusões, deontologia e formação, etc. Com base nessa ou noutra reforma, o Estado não pode continuar a ter medo de ter uma politica para o setor. Não pode continuar a assistir no tempo da fadiga informativa à perda de qualidade deontológica. Só os ‘liberalistas’ que até bateram palmas a um novo modelo para a RTP, baseado num modelo inaugurado para a BBC que tinha estoirado, é que podem dizer que está tudo na ‘paz do Senhor’. É que a lógica do jornalismo sensacionalista, básico, de exploração das emoções mais primárias, pode ser um bom negócio para meia dúzia, mas não o é de certeza para o comum dos portugueses e de todo o país. O jornalismo foi, é e deverá ser muito mais do que sensacionalismo e escrutínio. Isso é importante. É. Mas feito num quadro jurídico adequado. E não reduzido a como em livro, Nelson Nunes, jornalista, titulou ‘Quem vamos queimar hoje?…’
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