É costume dizer-se que «os homens não se medem aos palmos» o que é genericamente verdade, mas não é aplicável quando o que está em causa, como característica essencial, exige uma medição seja ela de comprimento, altura, largura ou de volume.
Pode esta regra popular, aplicar-se ao XXII Governo constitucional presidido por António Costa, que hoje toma posse perante o escrutínio, seguramente exigente, do Sr. Presidente da República?
É claro que sim! Passada a compreensível excitação que resultará da apresentação de um elenco governativo com 69 membros mais um primeiro-ministro, ou seja o maior Governo depois de 1976, o que verdadeiramente interessa, e será julgado, é a natureza da ‘missão’ do Executivo e a capacidade que tiver para concretizar, para o bem do país, a tal missão previamente definida.
Isto mesmo o entendeu o Sr. Presidente da República, quando minimizou o problema do tamanho, remetendo o facto para a opção do primeiro ministro, mas fez questão de sublinhar que como objetivos essenciais devem ser considerados o crescimento económico, (terá de ser substancialmente superior ao que tem sido concretizado) e a estabilidade política, o que implica um Governo de legislatura ou seja, para quatro anos.
Contudo poderá concluir-se de algumas explicações do primeiro-ministro, rapidamente apropriadas e aumentadas por uma certa comunicação social, que as opções na formação do Governo, pelo menos ao nível dos ministérios mais sindicáveis, se orienta para um executivo de duração média (dois anos) e que a própria estrutura governativa (incluindo a sua dimensão), onde se detetam duplicidade de competências e potenciais focos de tensão, visam ajudar o país a ultrapassar a exigente meta da próxima presidência portuguesa da União Europeia.
Sabendo-se que Portugal já desempenhou por três vezes a presidência da União Europeia (voltará no primeiro semestre de 2021, depois do exercício da Alemanha, o que, normalmente, facilita o tarefa) e foi sempre creditado por um excelente desempenho, não se percebe bem que condições excecionais de dificuldade poderão surgir agora, para que se exija tomar medidas tão rigorosas e, em certo sentido, tão estranhas à norma habitual.
A questão essencial é, no entanto, a que hoje equacionou Marcelo Rebelo de Sousa; o país precisa de consolidar um crescimento económico muito superior ao que se verificou nos anos da geringonça e tal performance deve ser concretizada num cenário futuro que se adivinha com dificuldades acrescidas e fragilidades exteriores evidentes. Daí também decorre a lógica da exigência do PR quanto à estabilidade política.
Não parece que, durante o mandato governativo anterior, tenham sido criadas todas as condições necessárias para facilitar o fundamental objetivo estratégico ou seja o crescimento. É certo que a estabilização e normalização financeira (porventura excessiva) foi conseguida, é evidente que se aproveitou (até quando?) uma conjuntura favorável para criar um modelo de crescimento assente na indústria do turismo e até foi possível propagandear um crescimento económico superior à média da Zona Euro, o que não evitou a ultrapassagem do país pela generalidade dos parceiros europeus que se situam no nosso nível de desenvolvimento.
Mas as reformas essenciais que podem propiciar e viabilizar os desejos do Sr. Presidente da República não foram concretizadas nos últimos quatro anos e por isso também não se entende bem como, num cenário com um enquadramento externo muito menos favorável, vão ser obtidas as elevadas taxas de crescimento que todos desejamos e de que tanto precisamos.
Quando se conheceu o elenco dos ministros escolhidos e se constatou a estranha despromoção do ministro Centeno, em paralelo com a inesperada valorização de Siza Vieira, alguém responsável no tecido económico e empresarial terá desabafado com satisfação «vamos ter mais economia e menos Centeno». Isto seria correto se já tivéssemos passado, em definitivo e sem perigo de regresso, o cabo das tormentas do desequilíbrio financeiro e, paralelamente, o país estivesse já preparado para a evolução para um estádio de ‘valor’ económico mais exigente.
Infelizmente nenhuma das premissas está verificada.
O Governo, que hoje entra em funções, merece o benefício da dúvida, mas é devedor, desde já, de um valor essencial, reconhecido pelo Presidente da República, o valor da estabilidade. Independentemente da sua estranha composição, excessivamente dependente do aparelho partidário socialista e do círculo de fidelidade e intimidade do seu Secretário Geral, é um Governo para o país e para a Europa, antes de ser um Governo para permitir ao partido do poder uma ampla vitória nas próximas eleições autárquicas.