Sócrates. Braço-de-ferro com acusador

Ex-governante começou a semana a dizer que ia repor a verdade, depois lançou críticas aos jornalistas e ao 3.º dia atacou o procurador Rosário Teixeira. Para Sócrates, a acusação não passa de uma invenção. O SOL faz o diário de um interrogatório que não fica por aqui.

José Sócrates, sempre que pode, faz questão de mostrar a sua irritação com o Ministério Público, nomeadamente com o procurador Rosário Teixeira. Quer seja dentro da sala onde está a ser interrogado pelo juiz Ivo Rosa, quer seja à porta do tribunal. Esta semana, uma troca de palavras entre Sócrates e Rosário Teixeira deixaram a nu a tensão que existe.
Na quarta-feira, à chegada ao tribunal, José Sócrates decidiu atacar o procurador Rosário Teixeira, referindo que pensava que os procuradores tinham apenas o propósito de defender a «Justiça e a legalidade democrática». Esta reação surgiu depois de, na terça-feira, Rosário Teixeira ter respondido aos jornalistas que não dava relevância aos ataques feitos por Sócrates à acusação no primeiro dia de interrogatório: «O senhor engenheiro diz o que quiser. E, no fim, a gente faz contas».

Apesar de não falar sobre a operação Marquês, José Sócrates aproveitou a presença das televisões no TCIC para mandar um recado a Rosário Teixeira, afirmando que a declaração do magistrado foi «infeliz e imprópria».
Rosário Teixeira acabou por responder minutos depois: «Ouviram o que eu disse e não tem nada a ver com ajuste de contas. É uma expressão comum». «Os processos tem as suas fases e no fim é que as coisas são apreciadas», reforçou, deixando claro que era a isso que se referia quando disse que «no fim a gente faz contas».

Ao longo de mais de quarenta horas (e o inquérito vai continuar na segunda-feira), Sócrates foi rebatendo ponto por ponto a tese da acusação, que diz ser uma ‘invenção’. Mais: refere a existência de motivações pessoais por trás da investigação que ficou conhecida como ‘operação Marquês’. As perguntas de Ivo Rosa  sobre os negócios da PT, as influências de Lula da Silva, os interesses do Grupo Espírito Santo e do Grupo Lena, as alegadas luvas e as entregas de dinheiro de Carlos Santos Silva foram feitas à porta fechada e sem que o juiz de instrução permitisse a presença dos assistentes – nem sequer a de Felícia Cabrita, jornalista do SOL e do jornal i, que na sequência de um recurso viu a Relação da Lisboa confirmar que tinha direito a estar na sala.

Dia 1
A OPAda Sonae à PT e os interesses do GES

O primeiro dia de interrogatório foi praticamente todo dedicado à OPA fracassada da Sonae à PT e a questões do universo GES. Ao que o SOL apurou, durante o primeiro dia de interrogatório, Sócrates terá dito por mais de uma vez que a acusação do caso Marquês é «delirante» e «infundada». E, à saída do tribunal, já depois das 19h30, disse aos jornalistas que «é muito fácil fazer alegações totalmente infundadas» e «muito mais difícil repor a verdade». A reposição da verdade foi, aliás, uma expressão muito usada na segunda-feira pelo ex-governante, que logo à chegada ao Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) disse: «Venho aqui fazer o que tenho feito ao longo destes cinco anos: repor a verdade. É um longo caminho, um caminho mais árduo do que aqueles que fazem alegações completamente infundadas, injustas e até absurdas. Mas é isso que venho aqui fazer: repor a verdade».

Dia 2
As relações com Barroca e a nomeação de Vara

No segundo dia de interrogatório, José Sócrates chegou ao TCIC sorridente, dizendo-se «bem disposto», e aproveitou para lançar algumas farpas aos jornalistas presentes. «Olhando para as primeiras páginas dos jornais fico com a sensação que as fontes habituais que vocês têm estão um pouco desorientadas», disse o ex-primeiro-ministro.
Terça-feira foi dia de responder às perguntas do juiz Ivo Rosa sobre temas como a relação que tinha com o empresário Carlos Santos Silva e com o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, a nomeação de Armando Vara para a administração da Caixa Geral de Depósitos, os negócios relativos ao empreendimento de Vale de Lobo e as viagens do ex-Presidente do Brasil Lula da Silva a Portugal.

Sócrates terá garantido que não só não nomeou Armando Vara para a administração do banco público, como ainda mostrou relutância à decisão de Teixeira dos Santos – uma versão que já tinha sido dada por este último. E sobre Joaquim Barroca terá afastado a ideia de ser uma pessoa conhecida.

Recorde-se que, para o MP, Carlos Santos Silva era o testa-de-ferro de Sócrates e as quantias de dinheiro que eram entregues ao ex-primeiro-ministro não se tratavam de empréstimos, mas de dinheiro próprio que teria em contas em nome daquele amigo. A acusação defende ainda que o ex-governante beneficiou o Grupo Lena e que terá usado a influência de Lula da Silva em negócios que envolviam empresas brasileiras, como é o caso da fusão da PT com a Oi.
Quanto a Vale de Lobo, o MP defende que o ex-primeiro-ministro terá recebido um milhão em luvas do grupo que detém o empreendimento de luxo para que Armando Vara fosse nomeado e desse o seu ok a um financiamento de 200 milhões àquele grupo.

Dia 3
As luvas do Grupo Lena e os negócios com a Venezuela

Neste terceiro dia, o juiz Ivo Rosa questionou o ex-primeiro-ministro sobre as alegadas influências exercidas sobre Hugo Chavez e que terão beneficiado empresas nacionais, como o Grupo Lena, e ainda sobre o dinheiro que estava nas contas de Santos Silva e que o MP acredita ser de Sócrates.

Segundo o SOL apurou, José Sócrates manteve a versão já apresentada de que nada sabe sobre o dinheiro do amigo, garantindo que os seis milhões que entraram nas contas de Santos Silva provenientes do Grupo Lena não se tratava de uma contrapartida por qualquer influência junto das autoridades venezuelanas. Além disso, terá ainda negado perante o juiz e o procurador Rosário Teixeira que o Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT) lançado pelo seu segundo Governo, em 2010, tenha tido o objetivo de proporcionar a Santos Silva que trouxesse para Portugal o dinheiro que estava na Suíça, com um perdão fiscal e sem ter de justificar a origem.

Segundo o CM, na sessão de ontem, Sócrates acusou a ‘direita’ de ter criado factos para o prejudicar, referindo mesmo o nome de Pedro Passos Coelho. O jornal referiu ainda que Sócrates terá usado uma postura de vitimização durante o interrogatório: «Fui insultado pelo MP três anos». Já sobre o amigo terá afirmado: «Santos Silva é honestíssimo».

Dia 4
As entregas e a proveniência do dinheiro

Na quinta-feira,  dia em que além do advogado Pedro Delille, também o advogado João Araújo marcou presença em tribunal, Sócrates esteve várias horas a responder a questões relativas às entregas de dinheiro por parte do seu amigo Carlos Santos Silva, algumas delas intermediadas pelo motorista João Perna. Segundo o SOL apurou, o ex-primeiro-ministro voltou a referir que todo o dinheiro que chegou à sua esfera proveniente das contas do seu amigo era em forma de empréstimo, recusando a tese do Ministério Público de que Santos Silva era o seu testa-de-ferro.