Ao melhor estilo dos brandos costumes que tudo vão permitindo, no Desporto – em especial no Futebol – ignora-se frequentemente a matriz e os valores que dele deveriam fazer um relevante e prioritário meio de educação e cidadania. Mesmo reconhecendo não constituírem ilhas de virtude num mar cada vez mais poluído e tormentoso, também não seria expectável tornarem-se aliciantes e perigosos refúgios onde o comportamento inteligente e racional cede lugar às reações mais primárias; onde, tendo por fundamento fortes emoções e descontroladas paixões, existe permissividade e indiferença perante comportamentos em que a agressividade e a violência são exacerbadas como elemento distintivo e identitário de indivíduos e grupos, a batota e a fraude erigidos em "habilidades".
Um dia, ao cair de uma serena tarde de sábado, subitamente ouço um clamor longínquo em breve tornado vibrante e ritmada gritaria; fui à varanda e…perplexidade e incredulidade: mais de uma centena de jovens adultos, alguns megafones, marcha lenta, frases e palavrões ensaiados, bandeiras, camisolas e dísticos de um clube, em quadrado envolvidos (engaiolados? encurralados?) por um "cordão" policial mais as respetivas "viaturas de apoio"!!!. Hoje, vários canais TV oferecem-nos este espetáculo em direto (os atos heroicos e as boas práticas devem ser profusamente divulgados para os efeitos que se pretendem!…).
Alcochete aconteceu há ano e meio (o caso foi entregue à Justiça); frequentes situações de ameaça e intimidação, de invasão de espaços privados, de violência e destruição de bens públicos e privados estão documentadas há muito tempo; após ameaças ao próprio presidente de um dos maiores clubes do país (teve que recorrer a proteção policial) há vozes no espaço público criticando a temerária decisão de cancelar o apoio às claques, dizendo-as importantes para os clubes e o Futebol.
E, lembro os tempos de estádios cheios de adeptos incentivando ou pelo silêncio e assobios criticando a sua própria equipa, os tempos em que todos éramos claque; e lembro também o que representaram os "holigans" e como acabaram quando houve vontade política para isso.
O que pretendemos, afinal? Apreciar as extraordinárias performances desportivas individuais e coletivas? Desafiar, acreditar e superar as nossas capacidades?
Reconhecer nesta superação o objetivo maior de todos os envolvidos na competição?
Entender, ver e promover a prática desportiva como meio privilegiado de educação, procurando ser e fazer mais e melhor, individual e coletivamente, respeitando a função insubstituível do outro (jogador, equipa, árbitro)?
Aceitar a diferença como fator inerente à condição humana e aprender a identificá-la, maximizando as suas virtualidades?
Aprender que, qualquer que seja o resultado de um jogo ou competição, é possível ganharmos sempre?
Que Desporto queremos e a que claque pertencemos?
Jorge Proença
Diretor da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona