O caso não é recente, mas pode estar perto de terminar: as antigas casas da Fidelidade – que foram depois vendidas ao fundo Apollo – estão a ser disputadas em tribunal pela Câmara Municipal do Porto. A decisão, sabe o SOL, deverá ser conhecida em breve. O pedido do direito de preferência por parte da autarquia foi feito há já um ano mas a autarquia continua na luta pela vitória no processo e garante que vai até às últimas consequências para conseguir ficar com os imóveis.
Ao SOL, a Câmara Municipal do Porto garantiu que o município «tem uma posição irredutível neste processo» e por isso não vai abdicar do exercício do direito de preferência. «Como tal, tendo inclusivamente sido proposta uma solução pela via negocial, a Câmara rejeitou liminarmente esse acordo», avança a autarquia. O SOL sabe que a Apollo tentou sentar-se à mesa com a autarquia por várias vezes mas os pedidos foram rejeitados pela autarquia.
A aquisição destes 271 imóveis – que se situam um pouco por todo o país, com destaque para Lisboa e Porto – ascendeu aos 425 milhões e a então vendedora Fidelidade exigiu que fossem vendidos num todo. A operação foi anunciada em abril, mas só concretizada em agosto e gerou grande polémica não só porque se descobriu mais tarde que as casas eram controladas pela Apollo através das Ilhas Caimão como pelo facto de os inquilinos não poderem ter exercido do direito de preferência eu também porque o grupo ficou isento do pagamento do IMT, conseguindo uma poupança de 25 milhões de euros. De todos os locais onde a Fidelidade vendeu estes 271 imóveis, apenas a Câmara Municipal do Porto quis lutar pelos mesmos.
O processo está a correr no Juízo Cível do Porto e, segundo o Público, que teve acesso ao mesmo, a Câmara diz ter sido impedida de exercer o direito de preferência. «A questão essencial (…) consiste em determinar se as alienantes (obrigadas à preferência) poderão ou não exigir que a preferência abranja a totalidade dos prédios no seu conjunto – o que tem como pressuposto saber-se se a separação dos ditos prédios para efeito de venda lhes causaria ou não apreciável prejuízo», avança o jornal com base no processo.
Já a contestação da Notablefrequency – uma das quatro empresas subsidiárias da Apollo – no processo refere que a Câmara Municipal do Porto nunca explicou «as razões de interesse público para justificar o exercício do direito de preferência». Citada pelo Público com base no processo, a Notablefrequency refere ainda que o negócio foi «uno, complexo e indivisível, para vendedores e compradores, sendo que os preços parciais indicados para cada um dos imóveis nesta escritura e nas demais são atribuídos apenas para efeito do cumprimento de normas notariais, contabilísticas ou fiscais», lê-se.
O SOL tentou contactar a Apollo, mas fonte oficial do fundo disse não comentar o assunto.
Direito de Preferência
O facto de a Câmara Municipal do Porto ter pedido o direito de preferência é natural e permitido por lei, como explicou ao SOL Carla Leitão Joaquim, advogada coordenadora do escritório Castro Neto Advogados. «As autarquias locais têm um direito, que lhes é atribuído por lei, de preferência nas transmissões onerosas de prédios entre particulares», explicou.
Mas atenção, este direito «apenas existe no caso de compra e venda e dação em pagamento de imóveis, quando esteja em causa a prossecução do interesse público (designadamente, tratando-se de um imóvel classificado) e se os intervenientes forem particulares (indivíduos ou pessoas coletivas)», disse Carla Leitão Joaquim que explicou como todo este processo se desenvolve. «Para este efeito, previamente à transação do imóvel, os proprietários estão obrigados a informar as autarquias dos elementos essenciais do negócio que pretendam realizar», nos quais se incluem a identificação do imóvel, o tipo de negócio, o preço e as condições de pagamento, a identidade do potencial comprador e ainda a data pretendida para a transação. «Após a publicação do anúncio para exercício deste direito, as autarquias dispõem de 10 dias úteis para declarar a sua intenção de exercer a preferência na aquisição do imóvel». No caso de conseguirem o direito, «as autarquias substituem-se ao potencial comprador, adquirindo o imóvel nas exatas condições que haviam sido acordadas entre os particulares».
A advogada explica ainda que «a venda dos imóveis pela Fidelidade, pela sua dimensão, suscitou uma nova abordagem quanto ao exercício do direito de preferência, em particular quanto à venda conjunta de vários imóveis, admitindo-se que se possa ter estado na base da alteração legislativa aprovada em 2018, que (muito embora não tenha chegado a tempo de impedir o negócio) veio a ampliar – em claro prejuízo dos direitos dos senhorios – o direito de preferência dos arrendatários e das autarquias».
Já António Cayolla, consultor do departamento de contencioso da Valadas Coriel & Associados, explica que o direito de preferência tem em vista «impedir os despejos em massa que se seguirão após uma venda com esta dimensão».
Este é um processo que já tem um ano mas que pode estar longe de terminar. Ao SOL, António Cayolla explica que «regra geral, um processo poderá demorar entre quatro e cinco anos até ao trânsito em julgado, pelo que, estimamos que estes processos possam ter a mesma duração».
E os inquilinos?
Depois de uma inquilina se ter aliado à Câmara Municipal do Porto, a Apollo garantiu que o direito dos inquilinos ao arrendamento não se altera, «independentemente de quem seja o respetivo proprietário». Mas a verdade é que os moradores continuam preocupados com a situação.
Ao SOL, António Cayolla explica que um dos direitos que os moradores têm é o pedido do direito de preferência, direito que não exerceram. Isto porque, uma vez que a Fidelidade apenas vendeu os imóveis como um todo, os inquilinos foram avisados que também o direito de preferência deveria ser pela totalidade dos imóveis e por isso o pedido não prosseguiu.
Segundo Carla Leitão Joaquim, «em regra, a transmissão da propriedade do imóvel arrendado não obsta à manutenção em rigor do contrato de arrendamento. Nessa medida, enquanto os contratos de arrendamento não vieram a cessar, por causas próprias aos mesmos respeitantes, os arrendatários permanecerão a ocupar o imóvel, verificando-se apenas a alteração da identidade do proprietário / senhorio».
Contudo, a advogada explica que é frequente verificar-se que o novo proprietário, «pretendendo libertar-se do ónus que os contratos de arrendamento (em muitos casos, com rendas desajustadas dos valores de mercado) constituem, virá a fazer cessar tais contratos, nos termos legais e contratualmente permitidos, após a aquisição do imóvel».
Já António Cayolla diz que, depois do processo falhado do direito de preferência, «não restará outra alternativa ao arrendatário senão a de intentar uma ação de preferência, nos termos do artigo 1410º do Código Civil, cabendo ao vendedor a prova do alegado prejuízo considerável. Com efeito, não basta alegar o prejuízo considerável, a lei exige a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocável a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo».