Quatro semanas depois de ter tomado posse, o segundo Governo liderado por António Costa continua sem lei orgânica, documento que dita o regime de organização e funcionamento do Executivo. Isto faz com que os Ministérios não estejam a funcionar a 100%: e, segundo apurou o SOL, já existem serviços do Estado que estão paralisados, à espera que cheguem as indispensáveis delegações de competências.
Tudo estava a correr bem. Até, defenderam alguns, a um ritmo acelerado. A 15 de outubro, pouco mais de uma semana depois de ter ganho as eleições, António Costa entregou ao Presidente da República a lista dos novos ministros. Soube-se também nessa altura que Costa queria criar dois novos Ministérios: o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, liderado por Alexandra Leitão, até então secretária de Estado da Educação, e o Ministério da Coesão Territorial, encabeçado por Ana Abrunhosa. Costa criou assim o Governo com mais Ministérios desde 1976, composto por 19 ministros (além do primeiro-ministro) e 50 secretários de Estado.
Cerca de uma semana e meia depois da apresentação da lista, a 26 de outubro, Marcelo Rebelo de Sousa deu posse ao XXII Governo Constitucional. Ou seja, 20 dias depois de ter ganho as eleições, António Costa já tinha um Executivo pronto para pôr as mãos à obra.
Mas faltava – e continua a faltar – um requisito essencial para que novos ministros e secretários de Estado pudessem, de facto, começar a trabalhar: a lei orgânica. «A lei orgânica do Governo é essencial para este se articular, para saber quais são os Ministérios, quais as competências de cada um e quais os serviços que integram cada Ministério», explica ao SOL Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo. E é igualmente essencial, por exemplo, para as direções gerais poderem dar andamento a todas as actividades que dependem da delegação de poderes da respetiva tutela.
No anterior Governo, a lei orgânica demorou três semanas a ser publicada em Diário da República. O SOL questionou o gabinete do primeiro-ministro sobre qual a data prevista para a publicação da lei orgânica, mas, até ao fecho desta edição, não obteve qualquer resposta.
A verdade é que não existe um prazo para a publicação deste documento, mas a sua inexistência pode causar vários constrangimentos. «A lei orgânica é essencial para se conseguir reger uma casa. Se não, vivemos sem rei sem roque. Quem está a despachar para esses novos Ministérios? Não se sabe… Podemos ter um Ministério que não tem serviços, que formalmente ainda não existe», explica Paulo Veiga e Moura.
Este tempo de espera poderá estar relacionado com a criação destes novos Ministérios e com a distribuição de trabalho dentro dos novos departamentos do Estado. «Não será errado pensar-se que este atraso pode ter a ver com o facto de alguns desses Ministérios serem tão atrevidos, tão modernos e inovadores. Creio que estas circunstâncias deverão estar a colocar seguramente alguns problemas na diferenciação de competências entre aquilo que eram os Ministérios já velhos conhecidos e os novos», diz ao SOL Nuno Pinto Coelho de Faria, advogado especialista em direito administrativo e contratação pública.
«Aquilo que é, para mim, como advogado e cidadão, evidente é que isto estará relacionado seguramente com a criação de novas nomenclaturas ministeriais. E, portanto, há um trabalho de ourivesaria institucional a fazer para separar aquilo que são áreas que estão afetas a um Ministério e passar para outros», explica o especialista. Existem áreas em que esta separação é mais óbvia, mas noutros casos não é tão clara quanto parece. «O ambiente e o ordenamento do território são áreas em que nos diversos Governos ora estão juntas ora estão separadas. Essa é uma associação ou uma cisão que é frequente e fácil de fazer. Estes novos Ministérios e esta nova nomenclatura são um bocadinho mais exigentes e por isso admito que isto esteja não só a atrasar a saída da lei orgânica, como também a exigir um cuidado redobrado naquilo que é a separação do que é que está num Ministério e passa a estar noutro», exemplifica Nuno Pinto Coelho de Faria.
Serviços parados
Na prática, o que significa isto? Que não estão definidas nem as pessoas, nem os serviços certos para desempenhar determinadas funções. Nem as respectivas dependências hierárquicas. Isto pode levar a que os serviços do Estado comecem a ser afetados. «Nem os serviços nem a administração pública podem parar. Poderá haver problemas é em serviços que, após a publicação da lei orgânica, já não vão ser competentes para praticar determinados atos, que entretanto continuam a praticar», com base na lei antiga, diz Paulo Veiga e Moura.
Segundo o SOL apurou, já existem serviços e direções-gerais do Estado que inclusivamente desconhecem o Ministério em que ficam integrados e que, por isso, estão parados.
«A falta de lei orgânica pode significar que tudo aquilo que dependa especificamente de competências que estejam ainda pendentes de se saber quem é que despacha superiormente esteja parado», diz Nuno Pinto Coelho de Faria.
Mas o importante pode não ser apenas saber quem é a pessoa que assina os despachos – existem questões mais complicadas que podem gerar problemas maiores. «Podemos estar a falar de situações de despachos conjuntos. Existem matérias que estão já na legislação ordinária que são referidas como estando sujeitas a despachos conjuntos, de diversos Ministérios. Com a introdução daquilo que são Ministérios completamente novos, pode se dar o caso de, independentemente daquilo que sejam matérias que já tradicionalmente tinham de estar subordinadas a um despacho conjunto – como das Finanças e Economia, por exemplo -, agora temos um conjunto de Ministérios novos que para determinadas matérias são convocados em detrimento de outros. Essa é que me parece ser a situação mais complexa», explica o advogado.
O SOL questionou também o gabinete do primeiro-ministro sobre esta matéria, mas não obteve resposta.
Novos Ministérios
Segundo o que foi divulgado pela imprensa na altura da tomada de posse do Governo, um dos Ministérios novos, o da Coesão Territorial, sai do Ministério do Planeamento. Terá a responsabilidade de aplicar no terreno as verbas dos fundos comunitários.
O outro Ministério, da Modernização do Estado e da Administração Pública,irá juntar áreas que já existiam mas dispersas por três ministérios (Finanças, Presidência e Administração Interna).
Além disso, dos 21 Governos Constitucionais, este é não só o maior Executivo, mas também o que tem mais elementos do sexo feminino: dos 19 ministros, oito são mulheres.
Das 70 pessoas que formam este Governo, 24 são novos – a maioria das novidades estão nas secretarias de Estado. No total dos adjuntos dos ministros, 32 são homens e 18 mulheres.