Zero. Grupo uniu polícias e elegeu herói

Os receios do Governo não se confirmaram. O protesto de polícias e militares decorreu num clima de paz e união. O Movimento Zero recolheu o apoio de manifestantes e civis e elegeu um novo herói: André Ventura.

O alarmismo que rodeou a manifestação das forças de segurança revelou-se visivelmente exagerado. Os polícias em protesto tinham a lição bem estudada e, desta vez, em momento algum se equacionou a possibilidade de se repetirem os episódios de tensão e violência da manifestação de 2013.

As imagens da invasão da escadaria da Assembleia da República, cinco anos antes, estavam ainda frescas na memória de todos. As preocupações expressas pelo Governo, através de medidas de contenção inéditas, com recurso a grades mais altas e blocos de cimento que cercaram o Parlamento, acentuaram o clima de preocupação. E os próprios agentes da Unidade Especial de Polícia,  normalmente «reservados» para cenários de conflito aberto, mostraram-se logo à chegada, perfilando frente à Casa da Democracia, ao invés de aguardarem no interior das suas viaturas, como habitualmente acontece. A mensagem era clara e pretendia ser dissuasora. 

 Porém, a postura adotada pelos cerca de 13 mil manifestantes  presentes contrariou, por completo, os elevados níveis de alerta. A mensagem de «paz» e «união» marcou os dois quilómetros do percurso que ligou a rotunda do Marquês de Pombal à Assembleia da República e teve o dom de se cristalizar no ambiente geral. As saudações entre polícias em protesto e colegas em serviço foram uma constante ao longo do dia. E se, no início, quem estava fardado revelava contenção e cautela, com o decorrer das horas as demonstrações de afeto tornaram-se mais entusiásticas e calorosas. «No fim de contas, lutamos pelos mesmos direitos. Partilhamos as mesmas reivindicações», ouviu-se de um dos manifestantes na direção dos dois jovens agentes que,  em sentido formal, faziam guarda às portas da sede do PS, no Largo do Rato. A resposta surgiu, sem sorrisos, através de uma veemente continência. A multidão reagiu ao momento com muito entusiasmo e emoção à mistura.

Mas o clima de irmandade não se limitou às fronteiras das forças de segurança. Muitos familiares e amigos fizeram questão de marcar presença nesta jornada. Foi possível ver casais de mãos dadas, abraçados numa causa que, afinal de contas, faz parte de um quotidiano comum. A marcha até ao Parlamento foi acompanhada por muitos cidadãos anónimos. Homens e mulheres de todas as idades, famílias inteiras, que, durante hora e meia de caminhada, foram sempre distribuindo carinho e apoio pelos elementos da PSP e da GNR. As janelas, varandas e passeios encheram-se de populares ansiosos e felizes por poderem aclamar e agradecer à multidão (recorrendo a acenos, aplausos e cartazes). A comunhão entre polícias e civis foi notória em muitas ocasiões.

 

Movimento Zero

Em vésperas do protesto, muito se falou do Movimento Zero, um  grupo orgânico, de rosto desconhecido, constituído por polícias e militares descontentes, nascido nas redes sociais e desenvolvido em reuniões clandestinas. O caráter misterioso e imprevisível que lhe foi atribuído, e admitido pelos próprios sindicatos no dia da manifestação, fundamentava dúvidas e receios. Ainda no Marquês de Pombal, foi fácil perceber o domínio do movimento sobre o grosso dos presentes. As t-shirts brancas, com o logótipo do grupo, revelaram-se maioritárias desde o primeiro momento. E a sua influência foi crescendo, imparável, ao ponto de se fazer substituir aos sindicatos no controlo de facto do protesto. Ninguém se quis mostrar sem os símbolos do Movimento Zero, que aproveitou a oportunidade para fazer negócio com a venda de centenas de camisolas.

Conotado com a extrema-direita e com o partido Chega, de André Ventura, o grupo aproveitou para fincar raízes junto dos polícias. A voz da multidão gritou até à rouquidão: «zero, zero!». E só se fez calar para ouvir André Ventura, o «amigo dos polícias», com direito a subir ao palanque improvisado e a discursar: «Polícias unidos jamais serão vencidos!».