Mil horas de mergulhos desvendam segredos

Duas expedições, em 2016 e 2018, permitiram uma visão inédita da riqueza do mar dos Açores. Relatório científico recomenda aumento das áreas protegidas, pesca mais sustentável e maior sensibilização da população.

Um total de 21 469 km2 de fundos marinhos cartografados, pistas sobre os movimentos de alguns dos seus habitantes mais conhecidos, como os meros, e de visitantes imponentes – jamantas e tubarões-martelo -, a descoberta de uma nova fonte hidrotermal na região, para já com uma boa surpresa: o jardim de coral mais extenso em águas açorianas. O programa Blue Azores apresentou esta sexta-feira, em São Miguel, o resultado das duas expedições, de 2016 e de 2018, que permitiram conhecer os segredos do mar dos Açores. Ao todo, foram mais de mil quilómetros percorridos, no ano passado, a bordo dos navios Santa Maria Manuela e Almirante Gago Coutinho, do Instituto Hidrográfico. Quase 200 locais de recolha de amostras, fotografias e mais de mil horas de mergulho no total das duas expedições, que envolveram para cima de uma centena de investigadores e participantes. Além da riqueza animal, revelaram ameaças, como a pesca comercial e poluição. Em 16% das amostras recolhidas foi apanhado lixo, sobretudo pedaços de plástico entre cinco e 60 centímetros.

A iniciativa resulta de uma parceria entre o Governo dos Açores, a Fundação Oceano Azul e a Waitt Foundation, envolvendo o Programa Pristine Seas da National Geographic, a Universidade dos Açores, o IMAR – Instituto do Mar, o Instituto Hidrográfico e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental dos Açores.

Um novo campo hidrotermal, zonas de água quente ricas em vida – batizado de Luso, o nome do robô submarino que o detetou -, foi a maior descoberta da expedição que teve lugar em junho de 2018. São conhecidos oito nos Açores, mas este passa a ser o mais acessível para estudos. Fica no monte submarino Gigante, entre as ilhas das Flores e do Faial, a 570 metros de profundidade. E foi aqui, numa área de 400m2, que foi identificado o jardim de coral mais denso e extenso conhecido no mar dos Açores, de gorgónia, da família de corais paragorgiidae. Algumas das colónias chegam a um metro de altura e 1,5 metros de diâmetro, com uma idade estimada de um século. E se parte deste tesouro natural foi encontrado intacto, em algumas zonas foram detetados sinais de destruição causada por redes pesca.

Além da documentação das diferentes espécies – como a medição de mergulhos de jamantas a 400 metros de profundidade (pensa-se que visitam os montes submarinos dos Açores no verão, para se reproduzirem, vindas da costa de África Oriental), mas também cachalotes, baleias de bossa e roazes, e nove espécies de aves marinhas – as expedições reuniram informações sobre as diferentes pressões sobre os habitats. "Os Açores têm uma das maiores áreas no mundo onde o arrasto é proibido e, como tal, as principais ameaças pela pesca estão relacionadas com os palangres, as redes de deriva ilegais, a sobrepesca junto à costa e atividades legais. As atuais áreas totalmente protegidas são muito pequenas e, portanto, a maioria dos ecossistemas são afetados principalmente pela pesca comercial", conclui o relatório, recomendando um aumento das áreas protegidas e melhor gestão das existentes. "Com menos de 1% do mar dos Açores sob proteção total, esta é uma das principais prioridades para a região". Um memorando assinado em março na criação deste programa, antecedido por estas expedições, estabeleceu como meta declarar 15% da Zona Económica Exclusiva nos Açores como área marinha protegida.