O vosso livro foi apresentado no dia 25 de Novembro em Lisboa. Por que escolheram essa data e até que ponto é que a discussão à volta da celebração do 25 de Novembro faz sentido tanto tempo depois?
Rui Ramos – É uma maneira de lembrar como aqueles que em 1975 resistiram à tomada de poder pelo Partido Comunista e pela extrema-esquerda foram decisivos para a construção da democracia. O 25 de Abril foi feito por gente da direita e da esquerda para derrubar a ditadura com todos os aparelhos repressivos que a compunham. Ficou um caminho aberto que houve gente que tentou desviar para uma nova ditadura e aí foi essencial a direita. A direita democrática foi decisiva para impedir esse desvio. Lembrar o 25 de Novembro é lembrar que a democracia não é propriedade de um dos lados, é uma construção de várias famílias políticas e que foi, em Portugal, construída, não apenas contra uma ditadura que existiu, mas contra uma ditadura que podia ter existido.
Miguel Morgado – O 25 de Abril é evidentemente a data da fundação do regime democrático em Portugal, mas há outras datas que são muitas vezes subtraídas à memória histórica do povo português em operações que são deliberadamente preparadas pela esquerda. É o caso do 25 de Novembro. Quisemos dar um sinal de que não deixaremos esquecer esse momento muito importante da nossa democracia.
Rui Ramos escreve, neste livro, que a democracia em Portugal ‘foi, ao contrário do que é dito, muito de direita’. Julga que essa é também a perceção dos portugueses?
R.R. – A esquerda, obviamente, não contribuiu para essa perceção. Não contribuiu para lembrar que, em 1974, o primeiro partido a propor a integração de Portugal na Comunidade Económica e Europeia (CEE) foi o CDS. Os partidos de esquerda falavam da Europa ocidental como a Europa do imperialismo e dos monopólios. Mário Soares teve dificuldades em fazer aceitar essa visão no PS. É Mário Soares que leva isso para a frente. E, por isso, em 1974 e 1975, ele não é visto como um homem de esquerda por causa dessa opção pró-europeia e pró-americana. O Partido Socialista nunca esteve em condições de sustentar sozinho esse processo e nunca esteve em condições de fazer as reformas necessárias para viabilizar essa adesão, porque aquilo que os portugueses descobriram, em 1977, foi que o pedido de adesão exigia transformações no país que iam contra aquela opção estatizante e coletivista que tinha sido imposta aos portugueses em 1975 pelos oficiais das Forças Armadas alinhados com o PCP e com a extrema-esquerda.
M.M. – A integração plena na CEE exigiu ao país um conjunto de reformas estruturais. A adesão de Portugal à então CEE corresponde à vontade de Portugal copiar e assimilar o chamado modelo europeu. O modelo europeu tem uma formulação inventada a seguir à II Guerra Mundial, na Alemanha, pela democracia cristã que é a economia social de mercado. É a expressão que mais sinteticamente define aquilo que é o modelo social europeu. Este entendimento, que hoje nos parece uma banalidade, nos anos 70 e no início dos anos 80 só tem um protagonista partidário que é a Aliança Democrática. Não é nada evidente que para a grande maioria do Partido Socialista a economia de mercado fosse aceitável para Portugal. E naquele momento foi a direita que estabilizou na opinião pública portuguesa que esse era o caminho. Com um trabalho político demorado e que só triunfou definitivamente na revisão constitucional de 1989.
Uma boa parte das pessoas que participa neste livro não tem simpatia pela ideia de que o PSD pode voltar a aproximar-se do PS. Esta solução de esquerda muda a forma como a direita se deve comportar?
R.R. –Devia ter mudado, em primeiro lugar, a maneira como se olha para o Partido Socialista. Em 2015, o PS fez uma opção e passou a governar com o apoio dos partidos que estiveram sempre contra a União Europeia e contra a economia de mercado. O PS provou que é possível governar com esses partidos, mas também demonstrou que não era impunemente que se governa com esses partidos. Não só há reformas importantes por fazer como o PS optou por avançar uma série de inovações e de experimentações legislativas que vão no sentido daquilo que a extrema-esquerda e o Partido Comunista desejam para Portugal. O Partido Socialista esclareceu a sua opção ideológica em 2015 e já era tempo de o PSD e o CDS perceberem que, perante esta nova realidade, precisam de se ressituar de uma maneira muito clara como os protagonistas de uma maioria reformista e democrática em Portugal.
M.M. – Ainda vamos a tempo. O Partido Socialista deve ser responsabilizado pela opção que fez e isso significa dizer claramente que não pode contar com o PSD para nada. O que implica que o PSD assuma novas responsabilidades. A primeira é apresentar ao povo português um projeto totalmente distinto do projeto de governação do Partido Socialista. A segunda responsabilidade é compreender que a partir de agora tem de lutar pela maioria absoluta e isto obriga o PSD a entrar num diálogo com os partidos que estão no espaço não socialista no sentido de se produzir um programa de governação coerente para eventualmente formar uma coligação pré-eleitoral para disputar eleições.
Isso é possível sem um líder forte e com carisma?
R.R. –É provável que um movimento por mais amplo e participado que seja precise de representantes e de protagonistas. A direita em Portugal gerou uma figura capaz de criar essa relação de identificação com os apoiantes destes partidos que foi o Pedro Passos Coelho. Ele não está, neste momento, na política ativa e esse é um dos maiores problemas da direita. Isto é, aquele que é o seu líder natural não está no ativo. É difícil estruturar um espaço quando o seu polo agregador não está em campo. Isso não quer dizer que não se possa fazer nada. Há muito trabalho de diálogo e esclarecimento que se pode fazer. O espaço da direita está a organizar-se. Apareceram partidos novos e apareceu muito mais gente disponível para afirmar muito claramente uma alternativa ao socialismo. Tudo isso poderá contribuir para organizar este espaço de modo até a ir buscar muita gente à abstenção, onde muitos dos eleitores tradicionais da direita poderão estar. O país precisa de uma alternativa muito clara de governação, mas também de uma alternativa de visão para o país. Portugal está estagnado há 20 anos, há 20 anos que não converge com a Europa.
M.M. – Não estamos a programar que tipo de liderança queremos. O espaço que nós abrimos já foi ocupado pelos partidos no passado, mas deixou de ser. Os partidos amadureceram e a sua vocação também se estreitou. Perdeu-se um espaço organizado onde as diferentes direitas se pudessem encontrar e pudessem discutir sem que isso implicasse compromissos de poder ou negociações partidárias. Os partidos deixaram de ser um espaço de livre experimentação intelectual e cultural e nós quisemos abrir esse espaço de liberdade aqui. Os partidos tornaram-se máquinas de organizar o exercício do poder e a conquista desse poder. Isso também é importante, mas implica um conjunto de práticas que exclui os momentos de pura reflexão. Não há tempo para isso.
Esta solução de esquerda permitiu a António Costa, em 2015, chegar ao poder sem vencer as eleições. Julgam que a direita pode estar condenada a ficar muitos anos afastada do poder por causa desta união entre a esquerda?
R.R. –Não vale a pena tentar fazer muitas previsões. O mais importante é que as forças que vierem realizar a alternativa estejam devidamente preparadas para enfrentar os problemas que vão ser deixados por estes anos de domínio socialista do Estado com o Partido Comunista e a extrema-esquerda. É fundamental que haja um esforço de federação e de unificação à direita. Isto é, perceber que essa alternativa tem de estar baseada nas várias direitas. É isso que atualmente vai permitir criar uma dinâmica de vitória. Já não basta, como aconteceu no passado, um partido ou dois para atingir a maioria absoluta. Neste momento é muito provável que seja necessário congregar mais gente. É necessário fazer esse trabalho e definir um programa de governação que corresponda a uma visão do país que seja muito clara. É mais importante fazer esse trabalho do que estar à espera que alguma coisa aconteça ao Governo para aparecer no terreno. No passado houve essa tentação e foi um erro. Não devemos perguntar o que é que eles vão fazer, mas sim o que é que nós devemos fazer. É importante que exista uma alternativa quando o país precisar dela. Uma alternativa não só para aqueles que se reveem nos valores da direita, mas também para o eleitorado desiludido com o fracasso e a estagnação da governação de esquerda. É das piores situações em que o país pode estar, porque está estagnado, à deriva, e com uma enorme insegurança sobre o futuro. É preciso dar essa segurança sobre o futuro e levar as pessoas a acreditar que o investimento, o trabalho e a poupança são recompensados. É isso que as direitas podem fazer e é com isso que podem vencer as eleições para mudar o país.
M.M. – Revejo-me totalmente nesta posição do Rui Ramos. O frenesim da previsão, neste momento, é inimigo da preparação. Mas há lições a retirar dos últimos vinte anos. Sabemos que as coisas acabam mal depois de períodos de gestão socialista. Foi assim em 2002 e foi assim em 2011. A lógica de governação de António Costa não é muito diferente da lógica de Sócrates e de Guterres. O país tem carências gravíssimas que se aprofundam todos os dias e não há nenhum horizonte reformista. E, portanto, as direitas têm de ponderar muito bem se querem voltar a esgotar, pela terceira vez em vinte anos, a sua intervenção na governação num contexto de pura reparação dos males trazidos pela governação anterior. Nós estamos ainda a sofrer os prejuízos da crítica demagógica do PS aos anos do ajustamento. Faz parte da tarefa de preparação o refrescamento dos princípios e valores e um debate criativo entre as direitas, mas também a preparação para a eventualidade de Portugal chegar a uma encruzilhada histórica semelhante à que tivemos em 2002 e 2011. As direitas não podem voltar a cometer o erro que cometeram nessa altura.