Haia. Nobel da Paz desvaloriza abusos contra os rohingya

“O Myanmar podia ter feito mais para enfatizar a nossa herança comum”, admitiu Aung San Suu Kyi, que negou as “matanças, violações em grupo e tortura” de que fala a ONU.

Não havia qualquer tipo de intimação para que a líder birmanesa Aung San Suu Kyi fosse ao Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, defender as froças armadas do Myanmar (antiga birmânia), acusado de genocídio da étnia rohingya, no estado de Rakhine, no nordeste do país. Mesmo assim, Suu Kiy optou por comparecer, aprofundando ainda mais o fosso entre a pessoa que ganhou um nobel da paz em 1991 – “pela sua luta não-violenta pela democracia e direitos humanos” – e a grande defensora de um exército acusado de “matanças, violações, violações em grupo, tortura” por investigadores das Nações Unidas.

A líder birmanesa apontou o dedo ao Exército de Salvação dos Rohingya de Arracão (ARSA, em inglês), um grupo insurgente na região. Talvez os militares “não tenham destinguido claramente entre combatentes das ARSA e civis”, sugeriu, notando que “a situação no estado de Rakhine é complexa”.

Apesar dos testemunhos brutais reunidos pela ONU, que em 2017 descreveu uma campanha coordenada do Governo birmanês para “instilar medo e trauma” nos rohingya, a Nobel da Paz negou-o. “O Myanmar podia ter feito mais para enfatizar a nossa herança comum”, admitiu Suu Kiy, mencionando talvez tenha havido civis feridos por militares que dispararam de um helicóptero, numa operação contra-terrorista.

Mesmo que alguma vez tenha havido uso desproporcional da força por parte das forças armadas – “não pode ser descartado”, reconheceu – quem deve lidar com isso é o Estado birmanês, não a comunidade internacional, defendeu a antiga ativista.

“Não haverá qualquer tolerância para abusos de direitos humanos em Rakhine ou onde quer que seja no Myanmar”, prometeu Suu Kiy, salientando em que até houve um caso em que soldados foram punidos por executar civis. 

Talvez se referisse aos sete soldados condenados a dez anos de prisão por materem 10 rohingyas, na aldeia de In Din. Acabaram por ser liberados em 2018, depois de menos de um ano de prisão. Uma pena inferior aos 16 meses que passaram atrás das grades dois jornalistas da Reuters, acusados de tentar obter segredos de Estado, quando investigavam os abusos contra os rohingyas.

“Tenho a certeza que nunca ninguém os responsabilizou de tal forma”, disse ao Washington Post o ativista rohingya Yasmin Ullah, durante as audiências. “Legitimou a nossa dor”. Segundo o jornal norte-americano, em campos de refugiados no Bangladesh – onde estão muitos dos 700 mil rohingya que fugiram do Myanmar, multidões juntaram-se para cantar: “Gambia, Gambia”. Referiam-se ao pequeno país africano, de maioria muçulmana, que lidera o processo por genocídio.