Terminada a Art Basel de Miami, a obra que se transformou na principal atração da edição norte-americana da feira de arte nascida em Basel, na Suíça, continua a ser replicada, em fotografias, em memes ou em recriações entre as mais e as menos espontâneas, pelas redes sociais. O seu autor, o artista italiano Maurizio Cattelan (n. 1960), tornou-se conhecido pelas suas esculturas hiperrealistas, pela retrete em ouro a que chamou America e mandou instalar para uso comum nas casas de banho do Guggenheim de Nova Iorque (que o museu se dispôs a emprestar a Trump quando chegou à Casa Branca), e ainda pelas esculturas de cavalos embalsamados suspensos – quer em série, contra uma parede, como que nela enfiados pela cabeça, quer suspensos, em The Ballad of Trotsky, de 1996, e Novecento (1900), de 1997.
Ao contrário de cavalos, de bananas empalhadas não há registo na História. Para Comedian, a obra que expôs no stand da Perrotin, a galeria parisiense que o representa, no seu regresso às feiras de arte depois de 15 anos de interregno, seguiu o mesmo método, mas para um readymade desta vez perecível – e comestível, tanto que ao terceiro dia de feira, num gesto a que chamou performance e intitulou de Artista Com Fome, o artista nova-iorquino David Datuna se atreveu a comê-la.
Passada a viralização do momento que o próprio tratou de partilhar num tríptico de vídeos partilhados no Instagram e terminada a feira, começou a abrir-se o espaço necessário para a discussão que, para lá da surpresa por vezes tornada indignação, Cattelan terá querido provocar com uma obra em que, além do movimento Dada das décadas de 10 e 20 do século passado, faz também uma referência a Warhol – entre os memes que circulam pelas redes sociais, há já uma versão da capa do artista de The Velvet Underground & Nico com a banana cruzada por uma fita semelhante à usada por Cattelan.
‘Unicórnio do mundo da arte’
Durante esta semana, Billy e Beatrice Cox, o casal de Miami que adquiriu uma das edições da banana que Cattelan descreveu como uma representação do «comércio global», acabou por vir a público esclarecer que a principal razão que levou à aquisição da obra que descreveram como «o unicórnio do mundo da arte», comparando-a a Campbell’s Soup Cans, obra de Andy Warhol de 1962, foi justamente o debate público que se gerou à sua volta. «Quando vimos o debate público que Comedian gerou sobre a arte e a nossa sociedade, decidimos comprá-la», contam no comunicado citado pelo ArtNet em que dão conta da intenção de a emprestar ou mesmo doar a um museu.
«Comprámo-la para garantir que estaria acessível ao público para sempre, para alimentar o debate e provocar pensamentos e emoções num espaço público de forma perpétua». Segundo o ArtNet, o casal tenciona substituir a banana a cada dois dias para que possa estar sempre com o mesmo aspeto «maduro». Ainda assim, mostrou-se «ciente do absurdo flagrante do facto de Comedian ser uma peça [composta] de um produto barato e perecível e uns centímetros de fita adesiva».
Da obra que não passa da afixação de uma banana comprada num mercado local a uma parede com fita isoladora em forma de X, existem três exemplares – ou três certificados de autenticidade do artista, sem os quais, segundo explicou a galeria durante a feira à imprensa, qualquer reprodução da obra regressa à sua condição inicial de «apenas uma banana». Daí que não tenha sido um problema a performance de Datuna: a banana que o artista engoliu foi de imediato substituída por uma outra que a galeria tinha de reserva.
O primeiro e o segundo foram vendidos ainda antes da performance de Datuna, ao casal Cox (Billy Cox é membro da família Bancroft, em tempos acionista da empresa que detinha o Wall Street Journal) e a Sarah Andelma, colecionadora francesa, proprietária da concept store de vestuário parisiense Colette, que nunca antes tinha adquirido uma peça por um valor tão elevado: 120 mil dólares (108 mil euros). Entretanto, o interesse manifestado por vários museus na terceira (e última) edição da peça já tinha, ainda antes do final da feira, elevado o seu preço para os 150 mil dólares (136 mil euros).
A história da obra que, como Fonte (1917) se tornou ‘o urinol de Duchamp’, ficará provavelmente para a História como ‘a banana de Cattelan’, foi contada pela Perrotin durante a feira: «De cada vez que Cattelan viajava, comprava uma banana e pendurava-a no seu quarto de hotel em busca de inspiração». Para a produção de Comedian, segundo a galeria, o artista terá feito várias experiências: «Primeiro em resina, depois em bronze e ainda em bronze pintado [antes] de finalmente voltar à ideia inicial de uma banana real». Ao ArtNet contaria o artista que um dia acordou e disse: «É suposto a banana ser uma banana».