Para os mais desatentos é apenas uma guerra de jornalistas, mas para quem se interessa pela informação que consome o caso ganha outras proporções. Nos últimos dias, a RTP tem vivido num verdadeiro tornado, com comunicados e contra-comunicados em que uma equipa de jornalistas, do Sexta às 9, acusa a direção de Flor Pedroso e de Cândida Pinto de ter sabotado uma reportagem sobre o Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), onde a diretora do canal público lecionou durante oito anos a disciplina de Jornalismo Radiofónico.
O diferendo que opõe a equipa do Sexta às 9 à direção de informação é antigo e, nas últimas reuniões do Conselho de Redação, tem ficado a saber-se de outras histórias comprometedoras para as responsáveis máximas do canal público: desde uma notícia sobre os prémios a dirigentes e funcionários da TAP que ficou na gaveta (a história foi revelada pelo jornal i, na edição de 6 de junho) até à famosa peça do lítio que ficou em stand by, esperando pelo fim da campanha eleitoral e pelos resultados das legislativas, tudo tem sido debatido nas reuniões do CR, muitas vezes num tom que o responsável pela redação da ata da reunião se diz incapaz de reproduzir. «A audição da jornalista Sandra Felgueiras decorreu num ambiente muito tenso, com interpelações sucessivas entre a jornalista e a diretora de informação que dificultaram a transcrição. Por isso, e no sentido de melhor aclarar este caso, anexamos documento assinado por toda a equipa do Sexta às 9 em que detalha pormenorizadamente o que sucedeu».
Acontece que a ata referente à reunião de 11 de dezembro acabou por não reproduzir a versão da equipa do Sexta às 9, que se sentiu injustiçada e, na sequência da mesma, distribuiu um comunicado à redação, com o título «Esclarecimento urgente à redação face a algumas omissões e imprecisões na ata do Conselho de Redação», onde diz que Flor Pedroso admitiu que interferiu na reportagem sobre o ISCEM. Nesse mesmo comunicado, a equipa do Sexta às 9 dá a sua versão sobre o que se passou no caso ISCEM e afirma que «a diretora de informação garantiu ter falado, no dia 8 de outubro, presencialmente com Regina Moreira no seu gabinete do ISCEM». Só depois de a repórter Ana Raquel Leitão ter falado com Regina Moreira sobre a reportagem é que Flor Pedroso contou à equipa de investigação que lecionava no instituto.
E o que está em causa? A equipa do Sexta às 9 dedicava-se a investigar negócios menos claros da dona do ISCEM, Regina Moreira, organização onde Maria Flor Pedroso lecionava. Apontavam-se várias irregularidades, desde logo a venda do edifício e a alegada cobrança indevida de dinheiro aos alunos que transitariam para outros estabelecimentos de ensino, já que o ISCEM tinha sido encerrado por determinação da A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior).
Segundo as acusações feitas pela equipa do Sexta às 9, Regina Moreira recusou dar entrevistas presenciais e terá dito que foi aconselhada por Flor Pedroso a fazê-lo. Também terá dito que soubera da investigação às suspeitas de recebimentos indevidos pela mesma diretora de informação. Ao que o SOL apurou, Flor Pedroso terá assumido na reunião do CR que avisou, de facto, Regina Moreira da investigação em curso, mas que não viu mal nisso.
Cândida Pinto terá também interpelado um dos jornalistas que investigava o caso, dizendo-lhe que não fazia sentido prosseguir com a reportagem, uma vez que os dados de que dispunha lhe indicavam que não havia qualquer irregularidade. O jornal i noticiou que foi Flor Pedroso quem lhe transmitiu a informação à sua colega de direção.
Por tudo isto, os membros eleitos do CR da RTP consideram-se impotentes para tomar uma posição e dizem querer ver tudo esclarecido no plenário de jornalistas já marcado para a próxima segunda-feira. Contactados pelo SOL, os membros eleitos do CR avançaram que, «devido às pressões que têm sofrido nos últimos dias», apenas vão falar sobre o assunto nesse plenário.
Já depois do jornal i e do CM terem noticiado esta guerra da RTP, Maria Flor Pedroso enviou um declaração à redação da televisão pública durante a madrugada de sexta-feira: «Face às reiteradas fugas de informação falsa, hoje repetidas em alguns jornais, nomeadamente no Correio da Manhã e no jornal i, quero garantir à redação que o que me é imputado não é verdade. São mentiras e calúnias. A verdade dos factos será comunicada por escrito ao CR a quem pedirei que divulgue à redação». Até ao fecho desta edição, nada chegou à redação.
ERC e sindicato em silêncio
Tal como o SOL já tinha avançado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social já recebeu participações referentes ao facto de o Sexta às 9 ter estado ausente da emissão da RTP e, nesse seguimento, abriu um processo, tendo ouvido a jornalista Sandra Felgueiras e a direção de informação da estação pública. Questionada sobre se vai ouvir Flor Pedroso depois desta nova notícia, a ERC garante que não vai prestar esclarecimentos. «A ERC tem pendente um procedimento em fase de instrução/averiguação, sendo que enquanto não existir parecer final presente ao Conselho Regulador, não poderá prestar quaisquer esclarecimentos sobre o resultado das diligências, não se pronunciando sobre factos que, direta ou indiretamente, se relacionem com o processo em curso», disse a entidade ao SOL.
Também o Sindicato dos Jornalistas prefere manter-se em reserva e diz ao SOL: «O Sindicato está atento ao que se passa, confiando que a redação da RTP, onde os trabalhadores estão organizados em órgãos de representação funcionais, saberá apurar os factos e proteger o serviço público, a credibilidade da RTP e a dos jornalistas que nela trabalham, independentemente das suas funções».
SIC solidária com Flor
Entretanto, um grupo de profissionais que esteve ligado ao 4.º Congresso dos Jornalistas, a que a atual diretora de informação presidiu, lançou um abaixo-assinado em «defesa de Maria Flor Pedroso».
Pedro Coelho e José Manuel Mestre, da SIC, e Paulo Martins, jornalista que esteve ligado ao SJ e que atualmente está no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Nova, dizem no abaixo-assinado: «Maria Flor Pedroso é jornalista há mais de 30 anos. Sem mácula. Jornalista exemplar. Reconhecida e respeitada pelos pares. Maria Flor Pedroso é uma das mais sérias profissionais do jornalismo português».