As movimentações em torno do futuro da liderança da Associação Mutualista Montepio Geral já arrancaram e ainda sobre a permanência do histórico Tomás Correia que sai oficialmente do cargo amanhã, dia 15, depois de ter estado à frente do banco e da associação durante mais de uma década. Virgílio Lima é o seu sucessor e já se aliou à ala esquerda da Mutualista para impedir que surja uma lista alternativa à sua no caso de serem levadas a cabo eleições antecipadas, soube o SOL.
Ao que o SOL apurou, Virgílio Lima juntou-se a Eugénio Rosa – um dos principais opositores de Tomás Correia – Carlos Areal e Viriato Monteiro da Silva que pertencem atualmente ao conselho geral da Mutualista e, como tal, são nomes que apoiaram Tomás Correia nas últimas eleições.
Mas as incertezas em torno de um novo ato eleitoral ainda são grandes. Ao que o SOL apurou, quem pretender ganhar a liderança da mutualista terá de ganhar a estrutura interna da associação. Fonte interna da mutualista garante que «historicamente, quem ganha as eleições são listas que que veem de dentro da associação». O que é certo é que os derrotados das últimas eleições já vieram garantir que «ainda é cedo para se falar sobre isso».
Ribeiro Mendes, que liderou uma das listas de oposição nas últimas eleições, defende que haja eleições para todos os órgãos, o mais rápido possível, lembrando que «os problemas continuam a ser muitos e as preocupações em torno da solvabilidade da mutualista também».
A opinião é semelhante à de António Godinho, também ele ex-candidato à liderança da entidade, que discorda da revisão dos estatutos, assim como tem dúvidas em relação às eleições para a assembleia dos representantes. Ao SOL, o responsável também defende eleições antecipadas para todos os órgãos e, ao contrário do que aconteceu no último ato eleitoral, defende uma lista unânime. «É preciso que desta vez haja uma lista mais unificada, independentemente das pessoas que a vão compor».
Mas, tal como o SOL já tinha avançado, a Associação Mutualista Montepio (AMM) vai ter de ir a eleições já no próximo ano. A ‘culpa’ é dos novos estatutos, que vão exigir a eleição de uma assembleia de representantes.
Este novo órgão terá não só o poder de aprovar e alterar estatutos como também de fixar a remuneração dos membros dos órgãos sociais, aprovar contas e ainda fiscalizar os órgãos sociais, entre outras competências, nomeadamente avaliar a estratégia da associação.
O SOL sabe que esta assembleia de representantes terá de ser composta por 30 membros – dos quais 15 têm de ser associados há mais de dez anos e outros 15 há menos de dez anos –, cuja lista terá de contar com 500 assinaturas. E cada lista terá de reunir cerca de 50 elementos. Além do presidente, secretário e dois suplentes terá ainda de reunir vários representantes, totalizando os tais 50 membros. Com esta estrutura, vão deixar de existir as assembleias-gerais tal como ocorrem hoje.
Outra alteração proveniente dos novos estatutos diz respeito ao conselho de administração, que passará a contar com sete administradores em vez dos atuais cinco, dos quais dois poderão não ser executivos, apurou o SOL. No entanto, essa alteração só irá entrar em vigor em 2022, altura em que irão ocorrer as eleições para o órgão.
Aliás, estas mudanças que levaram um grupo de associados – entre os subscritores desta carta estão Félix Ribeiro, Carlos Areal ou Viriato Silva – a entregar um pedido ao Governo para não serem registadas essas alterações, por considerarem que não respeitam as regras do novo código mutualista.
Recorde-se que, no final do ano passado, o Governo publicou um despacho que fez com que a associação passasse a ser supervisionada pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – no que diz respeito à supervisão dos produtos mutualistas –, apesar de beneficiar de um período transitório de 12 anos devido à sua dimensão. Ainda assim, a tutela da associação continua a ser o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Esta foi uma das preocupações do Governo e das autoridades reguladoras, ao defenderem que os produtos financeiros das mutualistas passassem a ser fiscalizados por um regulador financeiro, face à ausência de supervisão que existia. Isto significou que a comercialização de modalidades de benefícios de segurança social terá de cumprir as mesmas regras a que estão sujeitos os produtos financeiros das seguradoras.
Mandatos polémicos
A verdade é que a liderança de Tomás Correia tem estado debaixo de fogo e o pedido de saída aconteceu antes do líder da Mutualista conhecer o desfecho em torno da sua idoneidade por parte da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). E, se durante muito tempo, sempre defendeu que só iria sair da liderança «em boa ordem e quando entender», o pedido de saída acabou por acontecer no dia 24 de outubro por considerar que existia «um ataque do legislador a uma instituição privada e a ele próprio». Uma decisão que apanhou todos os membros do conselho de surpresa, apurou o SOL.
Mas foram vários os casos polémicos que destabilizaram nos últimos anos a liderança da Associação Mutualista. O caso mais recente diz respeito à decisão do Tribunal da Concorrência que anulou as coimas por parte do Banco de Portugal ao Montepio e a oito antigos administradores, no valor de 4,9 milhões de euros – uma sentença que levou o Banco de Portugal (BdP) a garantir que iria recorrer da decisão por considerar que esta não se pronuncia sobre as infrações. Em causa está o facto de o regulador ter detetado falhas de gestão enquanto Tomás Correia exercia o cargo de presidente do agora denominado Banco Montepio, entre 2008 e 2015. Além das falhas no controlo interno, o regulador aponta também o não respeito pelas normativas definidas nos regulamentos, que justificaram a concessão de crédito de financiamentos de elevado montante a alguns clientes, nomeadamente a Paulo Guilherme e a José Guilherme. Este processo começou em 2014, com a auditoria forense à Caixa Económica Montepio Geral.
A entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) agitou durante meses a opinião pública, com especial enfoque para o investimento que envolvia. A percentagem que chegou a ser falada, de 10% da instituição financeira – o que implicava investir cerca de 200 milhões de euros –, acabou por ser abandonada. Quando o acordo foi oficializado, o montante a investir baixou para os 75 mil euros e para uma participação simbólica, a rondar os 2%. O responsável pela SCML justificou a redução para um valor quase simbólico pela ‘alteração das circunstâncias’ depois da ‘discussão pública’ que o investimento provocou.
Outro caso que fez correr tinta disse respeito ao lançamento da oferta pública de aquisição (OPA), passando a mutualista a deter 98,3% do fundo de participação da Caixa Económica Montepio Geral, adquirindo o suficiente para sair do PSI20, uma vez que esta posição – aliada à participação direta – chega aos 99,7% do capital do banco, o correspondente a 2413 milhões de ações. A operação inseria-se no processo de transformação da CEMG em sociedade anónima.
Mais polémico foi o caso dos terrenos de Coimbra, que remonta a 2009 e levou à constituição de 14 arguidos, entre os quais Tomás Correia, que à data era presidente da Caixa Económica Montepio Geral, Carlos Martins, do grupo Martifer, e Humberto Costa Leite, do grupo Vicaima e ex-presidente do Finibanco, entre outros. Em causa estava a venda de um terreno de 30 hectares. A aquisição do terreno, em 2010, decorreu na mesma altura em que o Montepio lançava uma OPA sobre o Finibanco. O processo foi arquivado.
Também atribulada foi a relação com José Guilherme, depois de ter surgido a notícia de que Tomás Correia teria recebido 1,5 milhões do construtor conhecido por ter dado um “presente” de 14 milhões de dólares a Ricardo Salgado. Tomás Correia viu-se, por isso, envolvido num inquérito-crime no qual foi investigado por burla qualificada, abuso de confiança, branqueamento de capitais, fraude fiscal e corrupção.
Administração do banco vazia
Estas alterações na Mutualista ocorrem, numa altura, em atual administrador do Banco Montepio e também presidente do Banco Montepio Crédito retirou o seu nome para ser o futuro CEO da instituição financeira. Ao que o SOL apurou, o atraso na avaliação da idoneidade e as exigências do Banco de Portugal levaram Pedro Gouveia Alves a pedir para não ser nomeado. Para o lugar estará agora indicado o nome de Pedro Leitão, cuja idoneidade já está a ser avaliada pelo Banco de Portugal. O SOL sabe que o regulador, para analisar o nome do futuro CEO, exige que os restantes lugares no conselho de administração sejam preenchidos (quer fazer uma avaliação coletiva e pretende saber qual será o destino de Dulce Mota, a CEO interina) e continua à espera que os estatutos sejam alterados.
Também o nome de Paulo Pedroso surge agora para ocupar o cargo de administrador não executivo pelas mãos do ainda presidente da Mutualista. A informação foi avançada pelo Público que revela que essa indicação foi feita na última assembleia geral extraordinária do Banco Montepio, que decorreu na quinta-feira.