Nós já aqui escrevemos desenvolvidamente sobre Mário Centeno – seu perfil, sua caracterização política e do seu ego tão grande quanto o desastre que nos deixará para pagar nos anos vindouros.
Mário Centeno, por debaixo da sua aparente simplicidade e do ar caricatural semelhante a uma figura dos “Looney Tunes”, é um verdadeiro vulcão de ambições. De longe, é o mais sofisticadamente maquiavélico dos políticos não-políticos.
Veja-se, em abono desta nossa tese, a forma como Mário Centeno abdicou das suas convicções, das suas ideias económicas centrais, expostas na sua (brilhante, refira-se) tese de doutoramento – apenas em prol da carreira política que tanto almejava.
No fundo, Mário Centeno integra um Governo do PS porque não conseguiu ser incluído num Governo do PPD/PSD – isto, somado ao seu ódio pessoal a Carlos Costa (Governador do Banco de Portugal) e a Vítor Gaspar, conduziu Mário Centeno a meter as suas convicções mais profundas na gaveta e a aceitar ser o instrumento mais útil na estratégia de poder de António Costa.
Ficou, desde cedo, combinado que António Costa adoptaria o discurso de esquerda (até para agradar aos parceiros da geringonça), ao passo que Mário Centeno executava uma política de estrita contenção orçamental, ultrapassando qualquer outro Governo em termos de fundamentalismo austeritário.
Não deixa, pois, de ser irónico que Mário Centeno – um homem tão ou mais à direita que nós próprios – seja o novo herói (em desgraça por estes dias?) socialista e da esquerda radical!
Qual o grande prémio que António Costa atribuiu a Mário Centeno?
A possibilidade de ser Presidente do Eurogrupo – agora, Centeno já só sonha com a sua carreira a solo na Europa e, mais tarde, dependendo de um conjunto de circunstâncias, com a Presidência da República. O Orçamento de Estado para o próximo ano pode bem constituir o último ou o penúltimo orçamento de Centeno.
Posto isto, Mário Centeno não deixa de ser minimamente leal com António Costa.
Daí que tenha aceitado fazer mais um frete à estratégia do Primeiro-Ministro: repare-se que, mais uma vez, enquanto António Costa fala sobre o Orçamento para a esquerda, utilizando o jornal do BE que é o “Público”; Mário Centeno fala para a direita, utilizando o jornal do centrão, do PS e da direita fingida dos interesses, que é o “Expresso”.
António Costa é pedagógico para a esquerda e carinhoso para o PSD de Rui Rio; Mário Centeno é disciplinador para a esquerda e criticamente contundente para o PSD de Rui Rio. É a velha estratégia de António Costa que nós apelidámos, em 2015, do pisca à esquerda e do pisca à direita. António Costa é a esquerda do Governo; Mário Centeno é a “direita” (ou o que esquerda acha que é a direita) do Governo.
Pois bem, Mário Centeno, numa sua entrevista ainda a ser publicada na íntegra, afirmou que Rui Rio não percebe nada de finanças, nem de contabilidade pública.
Tal ataque parece insólito, atendendo a que Centeno, em privado – segundo nos contaram fontes muito próximas do Ministro das Finanças – até reconheceu que gostaria de ter Rui Rio como Primeiro-Ministro de Portugal.
Qual a explicação lógica para esta irritação súbita e desproporcional de Centeno? Fácil – mais um frete feito a António Costa e aos especialistas de comunicação do PS. Qual foi o objectivo? A resposta é ainda mais fácil: ajudar Rui Rio na contenda interna do PPD/PSD.
Sejamos claros: António Costa aposta as suas fichas todas na vitória de Rui Rio, porque sabe que não havendo alterações na liderança do maior partido da oposição, ser-lhe-á muito mais fácil (senão mesmo uma certeza) a sua continuidade como Primeiro-Ministro, pelo menos, até 2023.
A partir do próximo ano, António Costa poderá materializar a sua guinada para o centro, sem deixar definitivamente para trás o PCP.
Ora, qual a melhor maneira de António Costa ajudar Rui Rio, sem parecer um apoio demasiado ostensivo? Mandar alguém, mais ou menos próximo de si, criar um facto político que objectivamente favoreça Rio – nesta conjuntura, a melhor maneira seria sempre a de simular uma divergência profunda (quase conflito) entre o Governo e Rui Rio.
António Costa, pessoalmente, não o poderia fazer, pois não seria curial desencadear um momento de tamanha crispação que inviabilizasse a priori entendimentos futuros – já Mário Centeno seria sempre a pessoa ideal para o efectuar, porquanto já só quer sair do Governo, deixando uma imagem de “mão de ferro”, de homem cortante, de rosto da austeridade autoritária, de verdadeiro vulcão de ambições, como o Cardeal Cerejeira havia descrito, em tempos, António de Oliveira Salazar.
Enfim, Mário Centeno não tinha nada a perder; António Costa tinha muito a ganhar com os ataques a Rui Rio.
E o próprio Rui Rio agradece a Centeno e a Costa, porque lhe foi concedida uma oportunidade única para brilhar, a poucas semanas da primeira volta das directas no PPD/PSD. Assim – pelo menos, na aparência – cria-se a ideia de que, afinal, Rio é o adversário mais temido pelo PS, deslegitimando as críticas de Luís Montenegro à estratégia da actual direcção do partido…
Concluindo: as críticas contundentes e até reveladoras de um carácter político (no mínimo) dúbio de Mário Centeno a Rui Rio – não passam de pura encenação política.
Tudo a fingir, em consonância com o interesse superior de António Costa: deixar a porta escancarada do PPD/PSD para o que for necessário para segurar o seu Governo no futuro.
Para tal, Rui Rio é uma peça – na perspectiva de Costa – verdadeiramente essencial.
Rui Rio é mais controlável e previsível; Luís Montenegro poderá vir a ser menos controlável e mais imprevisível. E Costa dá-se mal com a imprevisibilidade, com tudo aquilo que foge ao seu controlo.