Na véspera das eleições inglesas, os jornalistas e os comentadores eram muito cautelosos sobre os resultados.
Na RTP, João Adelino Faria, pivô do Telejornal, dizia que estava tudo «muito incerto», daí se inferindo que tanto podiam ganhar os conservadores como os trabalhistas.
Falando diretamente de Londres, José Rodrigues dos Santos era mais concreto, afirmando que a maior parte das sondagens dava a maioria absoluta aos conservadores – embora algumas já só lhe dessem «uma maioria relativa».
E os comentadores justificavam a suposta quebra da última semana com a questão do serviço nacional de saúde, introduzida por Corbyn na campanha eleitoral; as tergiversações de Johnson sobre o seu financiamento teriam virado muitas intenções de voto.
Era este o panorama na véspera das eleições.
Pareceu-me estranho.
Na minha ignorância, achava que os ingleses deveriam estar fartos do Brexit – até eu já estava – e quereriam resolver o assunto o mais rapidamente possível.
O pior para as pessoas – e para as sociedades – é a incerteza; e a incerteza que desde há anos pairava sobre esta questão levaria, a meu ver, uma clara maioria de eleitores a votar naquele que se propunha resolver o assunto com brevidade.
Já não se tratava de ser ou não a favor do Brexit – tratava-se de fechar esse capítulo e andar para a frente.
A promessa feita por Corbyn de realizar outro referendo era voltar ao princípio, à indeterminação, ao arrastar do problema.
E isso já ninguém suportava.
Pior do que uma má decisão é não haver decisão nenhuma – e era nisso que o Reino Unido estava a cair.
Até porque a proposta de um segundo referendo era – convenhamos – estúpida.
Se o resultado fosse um ‘não’ ao Brexit, colocar-se-ia um problema: que referendo valeria mais – este ou o primeiro?
Os partidários do ‘sim’ exigiriam um terceiro referendo para tirar as teimas.
E nunca mais se sairia disto.
Para além de que, no futuro, os referendos sobre qualquer assunto passariam a não valer – pois as pessoas exigiriam sempre um segundo e depois um terceiro.
Ora, um referendo deve fazer-se e ficar feito.
Não se deve andar para a frente e para trás consoante os gostos.
Mas, pensando eu que a maioria absoluta de Johnson era um caso arrumado, não era isto que os media diziam na véspera.
Jornalistas e comentadores pautavam-se, como vimos, pela incerteza.
Eis senão quando o Partido Conservador alcança uma vitória retumbante nas urnas – e as mesmas pessoas que na véspera exprimiam dúvidas sobre o resultado vêm dizer exatamente o contrário: que o desastre de Corbyn era esperado, que fizera uma campanha desastrosa, que as suas indecisões sobre o Brexit haviam sido mortais, etc.
Lembrei-me de um jogador de futebol que dizia «prognósticos só no fim do jogo».
Os comentadores que agora, com toda a facilidade, explicavam ao povo as razões da vitória esmagadora dos conservadores, eram os mesmos que na véspera da ida às urnas não tinham certezas sobre nada.
Se as coisas eram tão óbvias, por que não o disseram antes?
O fenómeno não é novo. Sempre que se prefigura uma vitória da direita, os comentadores comportam-se deste modo.
Não sei se por motivos ideológicos ou por incapacidade de análise e previsão.
A maioria dos jornalistas e dos comentadores tem o coração à esquerda – e, por isso, tem dificuldade em admitir, antes dos atos eleitorais, a vitória de partidos de direita.
É como se as suas previsões influenciassem os resultados, favorecendo o ‘adversário’.
Mas os erros de previsão também podem resultar, simplesmente, de incompetência, de incapacidade para analisarem os sinais e os interpretarem.
Por mim, confesso que, se dissesse o que alguns jornalistas e alguns comentadores disseram nas vésperas das eleições inglesas, não voltaria tão cedo a aparecer na TV – e, se o fizesse, surgiria com a cara pintada de preto.
Mas não: eles apareceram com a mesma descontração a dizer que era ‘absolutamente evidente’ o que na véspera se lhes apresentava muito nebuloso.
Convém deixar uma segunda nota sobre estas eleições.
Que é esta: Boris Johnson tinha à partida uma grande vantagem sobre Jeremy Corbyn – a capacidade de adaptação às circunstâncias.
E isto não é de hoje nem de ontem – é de sempre.
Enquanto a direita em geral se adapta, evolui, procura soluções, a esquerda fica agarrada a modelos ideológicos, enquista e é incapaz de evoluir.
Isto foi mais uma vez patente: Johnson tinha uma solução no bolso, defendeu-a pragmaticamente, apresentou um calendário, enquanto Corbyn parecia um político saído de outra época, fugia à discussão do que estava em causa, recitava a cartilha, falava de serviços públicos e de nacionalizações.
Julgo que com o passar do tempo isto se vai notar cada vez mais.
A esquerda agarrada a utopias, a modelos ideológicos, a direita adaptando-se às circunstâncias e apresentando pragmaticamente soluções para os problemas que afligem as pessoas.
Não é por acaso que os partidos de direita estão a crescer em toda a parte.