As contas certas

Não é possível ter sol na eira e chuva no nabal

A direita, para se impor como alternativa credível de Governo, tem de fazer uma oposição séria.

Mas tal nem sempre tem acontecido.

Certas críticas que recorrentemente faz ao Governo são pouco sérias.

Começou por dizer que, com a ‘geringonça’, Mário Centeno seria impotente para controlar o défice do Estado; mas depois de o défice estar sob controlo, passou a criticar o ministro por fazer cativações e deixar degradar os serviços públicos (em especial, a saúde).

Ora, de duas, uma: ou se coloca o foco no défice, com os riscos decorrentes do desinvestimento nalguns sectores – ou se privilegia o investimento público, aceitando a derrapagem no défice.

As duas coisas é que não são possíveis.

Não podemos querer ter sol na eira e chuva no nabal.

Não podemos querer o défice controlado e ao mesmo tempo ter tudo a funcionar na perfeição.

 

Este problema não é de hoje nem de ontem: os economistas debatem-no há séculos.

Há os que são pelo controlo férreo do défice público, e os que negligenciam o défice, colocando a tónica no investimento.

E ainda há os que, como Manuela Ferreira Leite, começaram por ser favoráveis ao défice zero e hoje atacam Centeno por querer atingi-lo.

Haja um mínimo de coerência!

Eu sou completamente a favor das contas certas – e nessa medida aplaudo Centeno.

Há serviços que funcionam menos bem?

Claro que há; mas esse é o preço a pagar pelo Orçamento equilibrado.

 

E sou pelas contas certas, não por fé, mas por razões morais e por razões reputacionais – que acabam por se traduzir em ganhos para o país.

As razões morais são fáceis de explicar: nenhuma geração tem o direito de deixar dívidas para as gerações vindouras.

Alguém acha bem que os pais deixem dívidas para os filhos pagarem?

Argumenta-se que o endividamento é legítimo se for para investir de forma reprodutiva.

Ora, isso é conversa.

Se uma geração quer fazer investimentos – reprodutivos ou não – deve começar por poupar o dinheiro necessário para isso; investir à custa do endividamento é sempre um risco.

É pôr o carro à frente dos bois. 

Até porque os juros acabam frequentemente por engolir os eventuais lucros da operação

O que está certo é os orçamentos gerarem superavits, exactamente para permitirem investimentos (ou pagarem as dívidas acumuladas). 

Temos de meter isso na cabeça.

Os défices orçamentais devem ser sempre a excepção e nunca a regra.

 

Mas há outras razões para termos as contas certas.

É que isso nos torna mais credíveis no estrangeiro, contribuindo para a boa imagem do país lá fora – o que tem vários efeitos positivos, desde a atracção de investimento à baixa dos juros da dívida soberana.

As boas performances dos últimos anos – que já vêm, note-se, do tempo de Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, que fizeram um trabalho notável e corajoso – contribuíram para os juros baixíssimos de que Portugal beneficia hoje, permitindo substituir dívida mais cara por dívida mais barata.

 

Mas a mão-de-ferro que Centeno tem mantido sobre o Orçamento leva a que seja odiado, sobretudo pelos colegas.

Todos os bons ministros das Finanças em tempo de vacas magras têm esse problema.

Ernâni Lopes teve-o, Manuela Ferreira Leite também.

Marques Mendes contava-me histórias de como Ferreira Leite era odiada no interior do Governo de Durão Barroso, a ponto de este já ter dificuldade em aguentá-la.

E a Centeno vai acontecer o mesmo: vai ter de sair, porque Costa não o conseguirá aguentar até ao fim.

O que não faz sentido, neste contexto, é ser a direita a crucificá-lo.

Historicamente, os governos de esquerda têm deixado as contas públicas de pantanas, obrigando a direita a recompô-las quando sobe ao poder.

Foi o que aconteceu com Guterres, levando Durão Barroso a queixar-se de que o país estava «de tanga».

Foi o que aconteceu com Sócrates, obrigando à vinda da troika.

Queremos que isso aconteça mais uma vez?

 

A única crítica que faço a Centeno é não ter coragem – ou não ter condições políticas – para baixar os impostos às famílias e sobretudo às empresas, controlando o défice pela redução da despesa e não pelo aumento da receita, como está a acontecer.

A grande mudança a fazer em Portugal é reformar o Estado, reduzindo brutalmente a despesa pública, para permitir uma grande descida dos impostos.

Só assim Portugal poderá crescer ao ritmo de outros países que estão (ou estavam) no mesmo patamar que o nosso.

Mas isso não está nas mãos de Centeno.

Perante a conjuntura que tem, apoiado sobretudo pela esquerda, Centeno já faz milagres respeitando o défice.

E por isso a direita – e, de um modo geral, a parte do país mais responsável – deve agradecer-lhe em lugar de o atacar.