A tensão entre o ministro Augusto Santo Silva e os empresários portugueses está longe de chegar ao fim. A polémica estalou depois de o ministro dos Negócios Estrangeiro ter afirmado que «um dos problemas das empresas portuguesas é a sua fraquíssima qualidade de gestão» durante o encerramento do 8.º Fórum Anual dos Graduados Portugueses no Estrangeiro, realizado em Coimbra. E o governante foi mais longe: «Podemos esperar sentados [se se supõe que o atual tecido empresarial português] é capaz de, por si só, perceber a vantagem em trazer inovação para o seu seio e a vantagem em contratar pós-graduados e doutorados».
Para Pedro Ferraz da Costa, as declarações do ministro «foram infelizes e inconvenientes», refere ao SOL. Um problema que, de acordo com o empresário, ganha maiores contornos, tendo em conta que Santos Silva tem sob a sua tutela a AICEP e deve apoiar as empresas portuguesas e a sua internacionalização. «Pela visão do ministro parece que somos todos uns atrasados mentais», diz. No entanto, não estranha e garante que «sempre houve um preconceito ideológico por parte Partido Socialista em relação à classe empresarial e que se arrasta há anos».
Ferraz da Costa lembra ainda que, durante o período da troika, o tecido empresarial fez um «esforço financeiro brutal» para investir no mercado externo e, hoje em dia, muitas empresas são líderes na sua atividade. E dá como exemplo o setor do calçado, que conseguiu aumentar as exportações, o preço médio do calçado e a sua qualidade. A única exceção, segundo o mesmo, poderá ser as empresas com até 10 trabalhadores. Ainda assim, admite, que «nem um génio a liderar conseguiria inovar ou atirar-se para os mercados externos» tendo em conta a sua dimensão.
Mas esta opinião não é isolada. Vários empresários do país estão contra as declarações de Santos Silva e garantem que o ministro falou sem conhecimento de causa. Pelo menos, é essa a opinião de Fernando Tavares Pereira, fundador da Tavfer, empresa situada no concelho de Oliveira do Hospital. «O ministro, antes de ser ministro, deveria ser empresário. E depois julgar-se a ele próprio e às capacidades que teria, a fim de poder fazer e estar a gerir uma empresa, com a problemática maior de ser no interior do país», disse ao SOL.
O também ex-candidato à presidência do Sporting considera que Santos Silva deveria «ter mais respeito», até porque, acrescenta, «as desculpas evitam-se e não se devem pedir». O empresário garante ainda que «há muita coisa neste país que não condiz com nada daquilo que alguns dos ministros dizem. Entre os quais o que disse este ministro, que teve o azar de lhe fugir a boca para a verdade sobre o que pensa».
Fernando Tavares Pereira considera também que as declarações são ainda mais graves a partir do momento em que «são os empresários que pagam os impostos para que os ministros possam usufruir dos vencimentos que têm», aproveitando ainda para deixar uma sugestão ao Governo: «Já que criam tantas comissões para tudo neste país, ainda não criaram uma comissão para os empresários a fim de poderem gerir as empresas com mais capacidade, principalmente no interior, a fim de poderem fazer chegar onde, na realidade, há a possibilidade de compra, que é no litoral». Mas as sugestões deste empresário do interior não se ficam por aqui, deixando claro o objetivo de tais comissões. «São os empresários que pagam os impostos para criar comissões, criar departamentos. E esses departamentos muitas vezes não fazem o que deviam fazer, que era dar – já que diz que os empresários não são competentes – formação gratuita aos empresários para terem outros estudos», explica, acrescentando que «todos os empresários de norte a sul, do litoral e do interior ficaram aborrecidos com as declarações do ministro, porque afetam toda a gente».
Também Abílio Fernandes, empresário da restauração e antigo dirigente do Sporting, é claro nas palavras: «O ministro está a preocupar-se com coisas que não lhe dizem respeito. Devia preocupar-se mais com o ministério dele e não tanto com as pessoas que trabalham», disse ao SOL.
«Tendo uma área específica, não deve meter-se na parte empresarial do país e acho que esta situação, para bem da democracia portuguesa, deveria ser uma lição para que no futuro não volte a acontecer», acrescentou.
As declarações de Santos Silva irritaram também a Associação dos Industriais dos Laticínios, cuja opinião foi expressada em carta aberta, assinada pelo presidente José Robalo. «Na minha modesta opinião, o problema deste país é ‘a fraquíssima qualidade de gestão dos nossos governantes’. Não sendo minha intenção denegrir os governos portugueses e sabendo que esta afirmação corre o risco de ser generalizada, penitencio-me imediatamente por isso», escreveu, em clara resposta às declarações de Santos Silva.
Mas o empresário vai mais longe ao garantir que os «fraquíssimos gestores empresariais» suportam «a maior carga fiscal dos últimos anos». «Pagamos as faturas de energia e combustíveis mais caras da Europa, uma rede rodoviária sem alternativas viáveis e mesmo assim estamos na primeira linha nos esforços para a sustentabilidade, inovação e desenvolvimento», atirou.
José Robalo questiona também se o problema do país não será a falta de empresas, «que são levadas ao encerramento devido à nada fraquíssima carga fiscal, de que são paradigmas as fraquíssimas políticas económicas que consecutivamente sufocam e bloqueiam o desenvolvimento, principalmente nas zonas periféricas e do interior, condenadas ao esquecimento».
Verniz estalou com CIP
O primeiro empresário a reagir às polémicas declarações foi o presidente da CIP . «Como todos sabemos, cabe ao ministro dos Negócios Estrangeiros formular, promover e executar a política externa nacional onde, entre outras atribuições, se inscreve a promoção da economia e das empresas portuguesas, a promoção das exportações nacionais, o contributo para o crescimento da economia lusa. Ficámos assim a saber qual a imagem que um dos mais importantes elementos do Governo tem das empresas e empresários nacionais», afirmou António Saraiva.
O presidente da confederação acrescentou também que «a perceção confessada diz muito da forma como cumpre no exterior a missão que o país lhe confiou: promover o investimento externo no país». «Denegrir injustamente a imagem de empresários e empresas portuguesas não me parece ser exatamente aquilo que se entende como a nobre missão de defesa do interesse nacional», adiantou.
António Saraiva não ficou por aqui e lembrou a Santos Silva que o crescimento da economia verificado nos últimos anos, que na sua opinião tem dignificado o país a nível das instituições europeias e mundiais, «se deve em grande medida ao esforço e à adaptação operada pelas empresas e empresários portugueses» e que os números alcançados no combate ao desemprego foram atingidos no setor privado e não no público, «à custa do investimento e coragem de empresas e empresários nacionais». O mesmo cenário, de acordo com o patrão dos patrões, repete-se no aumento das exportações nacionais, que «se deve à qualidade e à inovação operada em muitos setores do empresariado português».
E as reações foram-se multiplicando por parte da CIP. «É de tal modo insofismável a verdade dos fatos que comprovam que o milagre económico do país se deve essencialmente às empresas e aos empresários portugueses – esse mesmo milagre de que o Governo de que Augusto Santos Silva faz parte tanto gosta de se gabar, aqui e além-mar – que as afirmações proferidas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros só podem ser entendidas por terem sido ditas por alguém que, vivendo fechado em ambientes palacianos, há muito que não sai à rua para ver como o mundo lá fora gira e avança».
Depois destas acusações, o governante desculpou-se, garantindo que «não queria ofender os empresários». E afirmou que falou «num contexto muito particular»: «O que nós dizemos deve ser sempre encarado no contexto em que o fazemos. Podemos e devemos melhorar as condições das empresas portuguesas e a contratação de quadros qualificados é um dos melhores caminhos para o fazer e essa convergência é o mais importante».
A verdade é que, olhando para os últimos dados da Pordata, no Retrato de Portugal na Europa, Portugal ocupa o primeiro lugar, entre os países da União Europeia, onde há mais empregadores sem o ensino secundário ou superior no total de empregadores: 49,4%. Uma média bastante diferente da média europeia, que se situa nos 16,6%.