Uma coisa é certa: Rui Rio foi coerente com o que tem defendido até aqui. O líder do PSD já tinha dito que o voto na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2020 iria depender de uma análise profunda do documento. E assim foi: Rio desmontou as contas de Centeno para anunciar aquilo que já era expetável: o PSD vai votar contra esta proposta de Orçamento.
Foi um discurso muito técnico – de tal forma que os sociais-democratas que marcaram presença nas jornadas parlamentares do partido só começaram a aplaudir Rui Rio ao fim de meia hora, quando este começou a deixar o “economês” e a atirar-se mais à parte política -, mas mostrou como Rio levou avante a postura inicial de apresentar uma decisão sustentada. E, claro, isso fez com que o principal alvo do discurso fosse o ministro das Finanças, Mário Centeno.
“Os quatro Orçamentos até aqui foram elaborados para agradar à esquerda e executados para agradar a Bruxelas. Este Orçamento é apresentado para agradar à esquerda e será executado para agradar a Bruxelas se Mário Centeno cá ficar o tempo todo, porque o que acho é que ele não vai cá ficar o ano todo”, disse Rui Rio, atirando para o ar a possibilidade de este OE ser executado “por um protagonista diferente daquele que foi nos últimos quatro anos”.
Rio voltou a mencionar a “evaporação” de 590 milhões de euros e a acusar o Governo de falta de transparência: “Há garantias de que este Orçamento é real, é isto que vai ser executado, ou é uma peça relativamente fictícia, em que o ministro das Finanças depois decide o que vai ou não ser executado?” “O senhor das Finanças veio dizer uma série de inverdades. Nós perguntamos onde estão 590 milhões de euros. A resposta é que não percebo nada disto, mas onde estão os 590 milhões? O ministro das Finanças está a fazer-se desentendido”, acrescentou.
Para o líder do PSD, a proposta de Orçamento “não tem estratégia”, mas sim um “objetivo tático, político: anuncia um conjunto de medidas simpáticas de redistribuição de rendimentos”. Além da falta de estratégia, Rio apontou também a não redução da carga fiscal, a falta de incentivos à poupança das famílias e o peso da despesa pública como alguns dos aspetos do documento com os quais o PSD não se identifica.
Recorde-se que a proposta do OE para 2020 será votada na generalidade na sexta-feira, véspera das eleições diretas para a liderança do PSD. Depois, entre 3 e 5 de fevereiro, o documento será discutido e votado na especialidade. A votação final está marcada para 6 de fevereiro.
“Os números não me dizem nada” Manuela Ferreira Leite abriu as jornadas parlamentares, que se realizaram na Assembleia da República, focando-se, ao contrário de Rui Rio, mais na política do que na matemática. Apesar de ter sido ministra das Finanças e de ter tido, ao longo de vários anos, o défice e as contas públicas debaixo de olho, Ferreira Leite defendeu que o OE não deve ser medido “pelos números que lá tem”. “Não me dizem nada os números, um Orçamento define-se pela política que ele traduz e pelos objetivos de política que tem”, afirmou.
A antiga ministra defendeu ainda que o Governo deu um tiro no pé ao dizer que este era um Orçamento de continuidade: “Se é de continuidade, quer dizer que a ambição que neste momento existe para o país é que ele não fique pior”.
E deixou um alerta: “Não me esqueço que no tempo anterior, no chamado tempo da antiga senhora, o Orçamento sempre esteve equilibrado, só que o povo estava na miséria”.
Candidatos ficaram de fora Quem não teve direito a falar nestas jornadas parlamentares foi Miguel Pinto Luz, que usou o Facebook para criticar a postura do grupo parlamentar do PSD.
“Estranho que estando o partido em processo eleitoral para a liderança, os candidatos não tenham sido chamados a intervir nesta reunião, situação que já se verificou anteriormente. A posição do grupo parlamentar do PSD, nesta votação, deveria sempre ter em conta a opinião de todos os candidatos”, escreveu.
Recorde-se que em outubro de 2017, o então líder parlamentar Hugo Soares convidou Rui Rio e Pedro Santana Lopes, candidatos à liderança do partido, a intervirem nas jornadas do PSD. “Era a minha obrigação enquanto líder parlamentar poder proporcionar aos dois candidatos este espaço e esta abertura e, felizmente, os dois acolheram”, justificou na altura.