Os Estados membros da NATO e os seus aliados no Iraque tentam reagir face à incerteza criada pelo assassínio do general iraniano Qassem Souleimani, por drones dos Estados Unidos, perto do aeroporto de Bagdade, na quinta-feira passada. Tanto os militares da missão da NATO no país – incluindo uma major portuguesa – como os da missão Inherent Resolve, liderada pelos EUA, que integra 34 portugueses, são muito menos bem-vindos do que eram há uma semana. Vários países anunciaram a retirada de tropas, outros tentam reparar a relação com Bagdade. Isto um dia depois de o Pentágono criar ainda mais caos, com o envio de uma carta que indicava a retirada dos seus mais de cinco mil militares estacionados no país, citada pelas agências internacionais e desmentida logo depois.
“Foi um erro”, assegurou aos repórteres o general norte-americano Mark Milley, explicando que a carta era um rascunho que foi mal formulado. O pretendido era informar o Governo iraquiano do reposicionamento de centenas de tropas em Bagdade, via helicóptero, presumivelmente antecipando a prometida retalição pelo ataque a Soleimani: algo que, na altura, deu credibilidade à notícia da retirada norte-americana.
Já Berlim não se enganou quando anunciou a retirada de 35 dos seus cerca 120 soldados, que instruíam as forças armadas iraquianas para combater o Estado Islâmico, à semelhança dos efetivos portugueses. Os 35 alemães dividiram-se entre a Jordânia e o Kuwait, e praticamente todos os que ficaram estão no Curdistão, no norte do país, onde é reduzida a influência de milícias xiitas, como o Kata’ib Hezbollah – cujo líder, Abu Mahdi al-Muhandis, foi morto junto com Soleimani. “O receio é que alguns dos soldados treinados pelas tropas alemãs simpatizem com as milícias iranianas e iraquianas e virem as suas armas contra eles”, escreveu a DW, o canal estatal alemão.
O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, garantiu que o objetivo é respeitar a soberania do Iraque; os deputados iraquianos votaram pela expulsão dos militares norte-americanos e as atividades da missão que os alemães integravam foram suspensas por Bagdade. “Estas forças podem ser trazidas de volta a qualquer altura se os treinos no Iraque prosseguirem”, assegurou Maas.
A impaciência mostrada pela Alemanha também foi notória nas declarações desta segunda-feira do ministro da Defesa português, João Gomes Cravinho, à Lusa. “A nossa esperança é que se possa retomar o trabalho dentro das próximas semanas”, notou, acrescentando: “Se isso não for possível, então obviamente teremos de reequacionar a existência desta força nacional destacada no Iraque”.
O exemplo alemão foi seguido pela Roménia, que tirou os seus os 14 efetivos do país, o mesmo número de soldados que a Croácia, enquanto a Eslováquia transferiu as suas sete tropas. Já França, que tem 200 militares destacados no Iraque, 160 deles dando formação, não tem qualquer intenção de retirar do país, de acordo com a France Press. E o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ligou ao seu homólogo iraquiano, Adel Abdul Mahdi, pedindo-lhe que permita às cerca de 400 tropas britânicas ficarem no país. Enfatizou “a importância da luta continuada contra a ameaça partilhada do Estado Islâmico”, de acordo com um porta-voz, citado pela BBC.
Besmayah A vida dos 35 soldados portugueses no Iraque, estacionados na base militar de Besmayah, a cerca de 40 km de Bagdade, ficou mais complicada desde o ataque norte-americano a Soleimani. Se os portugueses já não saíam muito, agora estão completamente confinados à base. E mesmo lá dentro, só se movimentam fora da área protegida contra projéteis para almoçar ou ir ao escritório. “O pessoal não anda a passarinhar”, explicou o chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares, Marco Serronha, em declarações à Lusa.
Além disso, os portugueses também ficam obrigados a usar constantemente colete à prova de bala e capacete, não vá cair fogo de morteiro ou rockets. Algo que aconteceu várias vezes ao longo deste fim-de-semana, em locais onde a tensão é maior, como a Zona Verde, em Bagdade, o enclave fortificado onde fica a embaixada dos Estados Unidos.
Entre a capital e Besmayah ainda vai uma longa distância, esclareceu Serronha, que assegurou que as tropas portuguesas não são um alvo das milícias xiitas. Ao contrário dos norte-americanos – que apenas têm uma presença residual na base. Aí, a segurança é garantida pelo contingente espanhol, que mantém a maioria dos seus quase 550 efetivos no Iraque na base de Besmayah.
Debandada no Irão Entretanto, mais de 50 pessoas morreram e outras 212 ficaram feridas numa debandada durante o cortejo fúnebre de Soleimani, esta terça-feira de manhã, na sua cidade natal, Kerman. Dezenas de milhares de pessoas queriam-se despedir do líder da Força Quds, as tropas de elite da Guarda Revolucionária iraniana, mas as ruas não eram grandes o suficiente para a maré humana, que acabou por entrar em pânico, segundo explicaram à BBC testemunhas oculares.
Os primeiros vídeos publicados na internet mostram pessoas sem vida nas ruas e outras a gritar, tentando ajudar as vítimas. As cerimónias tiveram de ser adiadas, mas ainda assim o cortejo continuou, por entre promessas de vingança pela morte do general. “É mais poderoso agora que está morto”, declarou o o major-general Hossein Salami. No mesmo dia, o Parlamento iraniano aprovou um decreto-lei designando todas as forças norte-americanas como “terroristas” e entregando um financiamento de mais 200 milhões de euros à força que Soleimani liderava.