António Costa esteve hoje no Parlamento para garantir que o Orçamento do Estado (OE) para 2020 representa a “continuidade” do que foi traçado na anterior legislatura, lançando charme ao PCP e ao Bloco de Esquerda ao lembrar o seu papel na aprovação dos anteriores orçamentos. Mas houve quem não ficasse convencido com o otimismo do primeiro-ministro.
“Neste orçamento não há retrocessos, continuamos a avançar”, garantiu António Costa, na abertura do debate parlamentar. O primeiro-ministro afirmou que o documento promove o investimento público, a justiça fiscal e a melhoria dos rendimentos, conseguindo ainda um excedente orçamental. “Alguns interrogam-se porque havemos de ter um excedente orçamental quando há tantas necessidades. Um bom orçamento é aquele que garante o equilibro nas múltiplas necessidades a que temos de responder nas várias áreas da governação”, defendeu Costa, garantindo que esta não é uma imposição de Bruxelas, mas sim uma forma de “preparar o futuro e garantir que os portugueses não voltam a ter de suportar os custos de uma crise financeira”.
O primeiro-ministro foi mais longe ao dizer que este é “o melhor dos cinco orçamentos” que apresentou no Parlamento. “É herdeiro e continuador dos quatro Orçamentos do Estado da anterior legislatura”, afirmou. “O rigor orçamental dá-nos liberdade. O orçamento deve ser um fim em si próprio, há mais vida para além do orçamento”, garantiu o primeiro-ministro, lembrando que este documento é apenas uma “ferramenta” para levar a cabo os objetivos do Governo.
Mas, apesar do otimismo, Costa foi, ao mesmo tempo, cauteloso: o primeiro-ministro foi deixando dicas aos antigos parceiros da geringonça, lembrando-os de como foram indispensáveis na aprovação dos anteriores orçamentos e dando margem a futuras negociações.
A votação do OE na generalidade está marcada para amanhã, mas a verdade é que quando o debate de ontem arrancou, a viabilização do documento já estava garantida, depois de o Bloco de Esquerda ter anunciado horas antes que iria abster-se na votação na generalidade. Ora, com os votos a favor dos socialistas e as abstenções dos bloquistas, do PCP, PEV e PAN, a aprovação do OE está garantida.
Mas não foi fácil dar a volta ao Bloco. Catarina Martins disse que o partido “aceitou ceder garantias mínimas para avanços na especialidade”, mas, mesmo assim, o conjunto de medidas que constam da proposta do Governo relativas a questões como salários e pensões “são insuficientes para responder por quem trabalha e trabalhou toda uma vida”, deixando em aberto o caminho para uma nova avaliação até à votação final global, agendada para fevereiro. Costa respondeu dizendo que desde a formação do Governo “nunca tivemos dúvidas com quem tínhamos de trabalhar”. “Este orçamento é melhor que aqueles que o Bloco aprovou no ano passado, em 2018, em 2017 e 2016. De todos os pontos de vista. (…)Tenho a certeza que nas próximas semanas poderemos contar com o apoio do BE para melhorar aquela que é já a melhor proposta de Orçamento do Estado”, atirou o primeiro-ministro.
Costa continuou a lançar charme à esquerda, lembrando a postura que o PCP assumiu nos últimos anos enquanto parceiro da geringonça. Depois de Jerónimo de Sousa frisar que este documento não contém “nada comparável” com aquilo que foi alcançado em parceria com o PCP – como a gratuitidade dos manuais escolares, o aumento extraordinário das pensões e a redução dos preços dos transportes -, o primeiro-ministro realçou o papel dos comunistas na anterior legislatura: “Não deve desvalorizar o contributo que o PCP deu”, nos últimos quatro anos. “Enquanto houver caminho para andar é prosseguir o dever de continuar a andar”, acrescentou.
Onde está o Wally? Mas se à esquerda o discurso assumiu um tom cordial, à direita não faltaram insinuações e provocações para animar o debate político. Cecília Meireles não se deixou comover pelas palavras amáveis entre o Governo, o Bloco e o PCP e disse que “todo o país já tinha percebido há muito que havia uma nova geringonça”, mas que nenhum dos parceiros tem como prioridade a descida de impostos. “O senhor primeiro-ministro diz que este é um orçamento de continuidade. É de continuidade, sobretudo no abismo entre a propaganda do Governo e a realidade do país”, atirou a líder da bancada parlamentar do CDS, lamentando o aumento da carga fiscal. “Não vale a pena fazer malabarismos com os números, quando os dados são claros: o que faz aumentar a carga fiscal não são as receitas fiscais mas as contribuições sociais”, respondeu António Costa.
O PSD também focou as críticas na carga fiscal e na falta de estratégia do Governo, mas Rui Rio não pôde deixar de fora o tema que tem gerado uma troca acesa de argumentos entre o líder social-democrata e o ministro das Finanças: a “evaporação dos 590 milhões de euros”, ou melhor, a discrepância entre dois quadros do OE sobre o saldo em contabilidade pública.
“O senhor ministro das Finanças respondeu-me que eu não sabia nada disto. Então eu não sei nada disto, mas é preciso perceber: onde estão os 590 milhões de euros? Não é ‘onde está o Wally’, mas sim onde estão os 590 milhões de euros?”, questionou Rui Rio. “Estou convencido de que o senhor ministro das Finanças até a si [primeiro-ministro] enganou. Já percebeu onde estão os 590 milhões ou está como eu?”, ironizou. Costa não respondeu à pergunta e criticou o líder oposição por se preocupar com “minudências”.
Do lado do PSD, o deputado Duarte Pacheco aproveitou o debate para dizer que o Governo vive num país imaginário chamado “Costolândia ou Centenolândia”, onde o Executivo tenta convencer o país de que a carga fiscal baixa apesar de “aumentar 15 impostos”. Hoje, o arranque do debate que antecede a votação fica a cargo de Mário Centeno.