Q uando António Alves de Amorim fundou, no longínquo ano de 1870, uma fábrica de produção manual de rolhas de cortiça, em Vila Nova de Gaia, estaria longe de imaginar que, hoje, 150 anos volvidos, a sua quarta geração prosseguisse fiel ao seu legado, reforçando o nome da sua família como sinónimo do próprio setor, e dotando-o de reconhecimento à escala global.
Em século e meio, a Corticeira Amorim – criada formalmente em 1922 como Amorim & Irmãos – mudou de morada, superou guerras e crises mundiais e cresceu aquém e além-fronteiras, conquistando mercados à primeira vista impenetráveis, para lá de oceanos ou de cortinas de ferro, tornando-se líder mundial na transformação de produtos em cortiça. Duas coisas o tempo foi incapaz de mudar: o traço familiar da empresa, feito de saber e paixão, e a aposta convicta na cortiça. Das fábricas da Corticeira Amorim espalhadas pelo mundo saem, atualmente, cerca 5,5 mil milhões de rolhas de cortiça por ano (que representam 72% das vendas); a par dos produtos associados, a empresa continua a bater recordes, somando, em 2018, 763 milhões de euros em vendas, para cerca de 27 000 clientes, distribuídos por mais de 100 países.
No âmbito destas comemorações, Paula Amorim, filha de Américo Amorim – o homem que liderou os destinos da corticeira desde finais da década de 1950, “redimensionando” todo o negócio – recordou o percurso dos seus antecessores, deixando a receita para o que se segue: «É com a mesma ambição dos nossos antepassados, a mesma vontade de criar e deixar obra feita, que encaramos o futuro». «Nestes 150 anos, a tudo sobrevivemos e tudo ultrapassámos», disse, acrescentando que «o percurso duro, difícil» soube ser ultrapassado por «uma vontade inabalável de fazer coisas, de não parar». A empresária sublinhou «a ambição criativa, de renovação permanente que tem passado de geração em geração», reforçando a vontade de prosseguir «uma obra ímpar na economia de Portugal». «Viemos para ficar, para perpetuar o que já foi feito e lançar as bases de mais 150 anos de sucesso, ao serviço das pessoas, da economia e do país», garantiu.
António Rios Amorim, diretor executivo da Corticeira Amorim, recordou «as muitas conquistas» ao longo deste período. O gestor afirmou que a empresa tornou-se «num grupo moderno e sólido, uma referência em Portugal e além-fronteiras, sempre atento ao mercado e capaz de responder em matéria de modernização e inovação».
Segundo o responsável, este «tem sido esse o verdadeiro segredo que tem permitido à Corticeira Amorim manter a sua posição de liderança no mercado global». «O objetivo passa sempre por dar cada vez mais valor acrescentado à cortiça», realçou.
António Rios Amorim falou ainda dos projetos prementes em mãos, destacando dois mais imediatos. O CEO da Corticeira Amorim assumiu o «desafio e compromisso de erradicar os valores de TCA [gosto das rolhas], já muito pequenos, de vez, em 2020» . Para cumprir essa missão, a empresa vai apostar 27 milhões de euros. Outra meta, passa pelo aumento da faturação com a produção de rolhas para bebidas espirituosas. «Neste momento, este segmento vale cerca de 40 milhões de euros, mas queremos chegar rapidamente a valores entre os 60 e os 65 milhões de euros», realçou.
Aposta em Alcácer do sal
A demanda do mercado tem ‘forçado’ os responsáveis da Corticeira Amorim a encontrarem respostas para fazer face à (previsível) escassez de matéria-prima no futuro. O aumento da plantação e do ciclo de crescimento dos sobreiros em Portugal – país que produz 50% da cortiça transformada no mundo -, uma árvore autóctone dos países mediterrânicos que é, de acordo com António Rios Amorim, «a grande prioridade para a empresa».
Nesse sentido, a Corticeira Amorim tem vindo a promover e a liderar o Projeto de Intervenção Florestal desde 2013, com vista a assegurar a manutenção, preservação e valorização das florestas de sobro. Com enfoque na investigação científica, a ideia é mobilizar os produtores florestais a plantarem 50 mil hectares de sobreiros até 2030, aumentando, desta forma, em 7% a área de plantação, o que, segundo contas feitas pela empresa, permitiria aumentar a cortiça disponível no mercado em 35%.
O primeiro passo com caráter experimental deu-se em terrenos arrendados, localizados em Alcácer do Sal, onde nos últimos dias do ano passado ficou concluída a plantação de 250 hectares de sobro, num investimento de 1,5 milhões de euros. Este montado, com maior densidade por hectare (350 a 400 sobreiros por hectare), será irrigado utilizando uma técnica «gota a gota», na expectativa de acelerar o ciclo de crescimento, dos naturais 25 anos para apenas 10. Caso funcione, ta nova forma de plantar (e de fazer surgir a matéria-prima pronta a usar) significaria uma autêntica revolução para a Corticeira Amorim, e restante setor, combatendo as crescentes exigências do mercado internacional.
Cortiça: A amiga do ambiente
As preocupações ambientais estão na ordem do dia e também neste capítulo a Corticeira Amorim tem vindo a demonstrar capacidade para se antecipar e superiorizar à concorrência, beneficiando das características inatas à cortiça. A aposta nesta matéria-prima – defendida convictamente pela família, desde sempre, e muitas vezes contra o mercado -permite à Corticeira Amorim ter já alcançado uma pegada de carbono negativa, quando meio mundo se encontra na casa de partida. Os resultados já conhecidos são contundentes: uma rolha de cortiça natural retém 392 gramas de CO2; uma rolha espumante retém 562 gramas de CO2. Feitas as contas, estes dados indicam que uma simples rolha de cortiça reduz em cerca de 30% o impacto negativo provocado pela garrafa de vidro no ambiente.
Para além das características congénitas do sobreiro, como elemento promotor do equilíbrio ecológico, a indústria de transformação da cortiça na empresa tem funcionado com base numa lógica de reaproveitamento sustentável, perto dos 100%. De toda a cortiça disponível, apenas 30% vai, de facto, resultar em rolhas de cortiça natural. No entanto, os restantes 70% são, sem exceção, reutilizados noutros produtos, onde se contam as rolhas técnicas e todos os outros produtos nascidos na empresa, nas vertentes de revestimentos, aglomerados compósitos e isolamentos. Talvez o dado mais paradigmático seja a forma como o pó das fábricas da Corticeira Amorim é aproveitado: num setor em que esta matéria existe impreterivelmente, a empresa dá mostras no campo científico, utilizando esse pó para reduzir em 65% os custos associados com a despesa com energia.
Nova fábrica na Austrália
Um dos principais investimentos para 2020 é a construção de uma unidade para fabrico de rolhas de cortiça em Adelaide, na Austrália. A nova fábrica – atualmente em fase de construção -, representa um investimento de 3,5 milhões de euros e tem inauguração prevista para abril. António Rios Amorim justificou a opção «com a duplicação do volume de negócios neste país», em apenas dois anos. Os vinhos australianos representam 25% das importações deste produto para a China, um mercado em franca ascensão, beneficiando, desta forma, todas as empresas envolvidas no setor. Num país que produz anualmente 700 milhões de garrafas de vinho, a Corticeira Amorim colhe indiretamente desta dinâmica, optando pela transformação da cortiça em rolhas localmente.
Depois da aposta em Napa Valley, nos Estados Unidos, António Rios Amorim anunciou que o próximo grande investimento em infraestruturas no estrangeiro da Corticeira Amorim será feito na Austrália, mas também no Chile, um mercado há muito explorado, mas onde será construída uma nova fábrica até 2021, com custos na ordem dos 4,5 milhões de euros.
Imagem renovada
Os 150 anos da Corticeira Amorim serviram como pretexto para preceder à renovação da imagem da marca. A operação, liderada pelo estúdio de Eduardo Aires, culminou num processo de rebranding de alto a baixo, que servirá como rosto da empresa para o futuro. Eduardo Aires desenvolveu uma nova logomarca, pintada a azul contemporâneo, capaz de fazer a ponte entre o passado e o futuro. O renovado «Amorim», que se espalhará como rosto e corpo da corticeira pelo mundo, surge com uma imprescindível referência ao sobreiro – no seu «o» -, como uma casca que abraça a árvore que Joaquim Vieira Natividade descrevia assim: «nenhuma dá mais exigindo tão pouco».