O ministro das Finanças, Mário Centeno, que tenho elogiado várias vezes nesta coluna – contrariando ataques da oposição e até de companheiros de partido –, transmite a imagem de um homem educado, tímido e até, por vezes, ingénuo.
Aqui e ali parece um adolescente pouco à vontade, atirado à força para um círculo de adultos.
Nalguns momentos, porém, sobretudo quando deixa de falar de finanças e passa a falar de política, Centeno como que se transfigura, parece outra pessoa, e assume uma estranha agressividade.
No Parlamento, sobretudo, já vi algumas vezes fugir-lhe o pé para a chinela.
Já o vi atacar adversários com uma violência que não se compagina de todo com os seus modos em geral cordatos e contidos.
No debate do Orçamento do Estado, Mário Centeno disse a dada altura do seu discurso que a chamada «saída limpa» era afinal «uma nódoa».
Voltei atrás para ver se tinha ouvido bem.
Mas era mesmo assim: para Centeno, a saída limpa foi uma nódoa.
Senti-me momentaneamente desnorteado: mas não foi o seu partido, o Partido Socialista, que chamou a troika, e o Governo de Passos Coelho que a ‘despediu’?
Não foi Sócrates que, à beira da bancarrota, teve de apelar ao auxílio externo, e Passos Coelho que ficou com o ónus de repor as contas em ordem, equilibrando o Orçamento?
E por que razão se foi embora a troika em 2014, ainda na vigência do Governo PSD/CDS?
Saiu de Portugal para fazer o jeito a Passos Coelho e lhe permitir cantar vitória?
Ou Passos Coelho conseguiu enganá-la, pintando de cor-de-rosa uma situação que continuava muito negra?
Recordei alguns indicadores.
Verifiquei que o desemprego, que viera sempre a aumentar, começou a cair no tempo desse Governo PSD/CDS.
Notei que a balança comercial, que há muito tempo estava no vermelho, passou de negativa a positiva, mercê do aumento enorme das exportações e de alguma diminuição das importações.
Vi que a poupança dos portugueses cresceu imenso.
Constaei que o PIB, que vinha regularmente a cair, inverteu a tendência e recomeçou a crescer.
Em suma, constatei que o Governo de Passos Coelho deu realmente a volta à situação financeira aflitiva – conseguindo que tudo (ou quase tudo) voltasse a entrar nos carris.
Aliás, foi isso que permitiu o ‘sucesso’ do Governo da ‘geringonça’.
Se a situação continuasse péssima, como Centeno pretende, não fazia sentido António Costa ter revertido algumas medidas de controlo financeiro e declarado o ‘fim da austeridade’.
A ‘geringonça’ pôde aliviar o cinto porque já apanhou o país a crescer – e aproveitou o balanço.
E ainda teria aproveitado melhor não fossem alguns disparates, como a reversão das privatizações dos transportes urbanos e da TAP, a reposição de rendimentos dos funcionários do Estado apenas num ano ou as 35 horas na Função Publica.
Não fossem estas asneiras, feitas por vingança, populismo ou motivos ideológicos, e ainda estaríamos melhor do que estamos.
Assim, não se percebe bem a ‘nódoa’ de que Mário Centeno falou.
Nódoa, aparentemente, foi a situação que o Governo socialista de Sócrates deixou – e que o Governo PSD/CDS de Passos Coelho limpou.
Ou não será assim?
Aliás, Centeno deveria ser a última pessoa a contestar a saída limpa.
Porquê?
Porque, ao fazê-lo, parece querer puxar só para si todos os louros da recuperação financeira do país.
Parece querer dizer: a situação ainda era horrível quando eu entrei e agora está ótima graças exclusivamente ao meu esforço.
Ora, não lhe fica nada bem essa vaidade.
Deveria ser um pouco mais humilde.
E reconhecer aquilo que os números dizem – e que os próprios credores que compunham a troika reconheceram, indo-se embora de Portugal em 2014.
Aliás, certamente por isso – e é sempre conveniente recordá-lo –, Passos Coelho ganhou as eleições de 2015, batendo folgadamente António Costa.