Em Oeiras, não se mistura desentendimentos pessoais com questões de trabalho. Quem o diz é Isaltino Morais, que autorizou a contratação do advogado João Marques Mendes, filho de Luís Marques Mendes, apesar da longa história de animosidade – depois de uma relação de amizade – que marca do atual autarca de Oeiras com o antigo líder do PSD e hoje comentador da SIC.
João Marques Mendes trabalha para o escritório de advogados Rui Pena & Arnault, que foi contratado pelos Serviços Intermunicipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora (SIMAS) para prestar serviços jurídicos a esta empresa, que está sob a alçada das Câmaras de Oeiras e Amadora. Numa procuração assinada pelo autarca de Oeiras, o filho de Luís Marques Mendes é nomeado como um dos advogados responsáveis pelos serviços jurídicos contratados.
Confrontado pelo SOL com esta contratação, Isaltino Morais separou qeustões pessoais de questões de trabalho. «Eu não faço discriminação nessa matéria. A avaliação que tenho do Dr. Marques Mendes não se alarga ao filho, obviamente. O seu filho está num escritório de advogados que a Câmara Municipal contratou. É filho de uma pessoa que tem um desentendimento com o presidente da Câmara, mas as questões pessoais não têm nada a ver com este assunto. Tenho de um sentido de serviço público e de defesa do município que não se compadece com questões de natureza pessoal», diz o autarca ao SOL, frisando, porém, que a sua opinião sobre Marques Mendes não mudou: «O Dr. Marques Mendes é um grande facilitador de negócios do Estado. Obviamente que a minha opinião sobre ele é inalterável».
Já João Marques Mendes escusou-se a falar sobre clientes do escritório a que pertence, invocando o seu dever de sigilo profissional, frisou ao SOL que nunca trabalhou com o seu pai e acrescentou: «Não vislumbro como poderia a situação a que se refere ter qualquer relevo na minha atividade ou na atividade do meu escritório».
Relação estragada
A relação entre Marques Mendes e Isaltino Morais deteriorou-se há muitos anos. Foi Marques Mendes quem, em 2005, ditou a saída de Isaltino do PSD: o então líder dos sociais-democratas, face às notícias que envolviam Isaltino com casos de Justiça, optou por apoiar a candidatura de Teresa Zambujo à autarquia de Oeiras. E obrigou Isaltino a pedir a «cessação da militância» naquele ano para concorrer como independente, eleições essas que acabou por vencer.
No livro A Minha Prisão – E se Acontecesse Consigo? , Isaltino lembra como ‘deu a mão’ a Marques Mendes e como ajudou a formar o seu percurso político. «Fi-lo presidente da EIA (instituição detentora da Universidade Atlântica), quando em 1999, me entrou no gabinete pedindo-me o cargo», lembra o autarca. E reclama também responsabilidade na sua escolha para o Governo de Durão Barroso, em 2002. Depois de Marques Mendes ter dito que não iria aceitar o convite para integrar o Executivo, «apercebi-me que não desejava Marques Mendes outra coisa que não aquele convite. Após a sua saída do meu gabinete ligo a Barroso e disse: ‘Zé Manel, acabei de falar com o Mendes e ele está mais do que maduro para o teu convite’. Uma hora depois telefonava-me Marques Mendes de novo, dizendo que o Barroso o tinha convidado e que ele tinha aceite. Sorri sozinho: efetivamente, o homem não tinha qualquer tipo de coluna vertebral», escreve Isaltino Morais.
E também fala sobre a corrida à Câmara de Oeiras, em 2005, garantindo que Marques Mendes ofereceu-lhe a possibilidade de concorrer a várias câmaras da Área Metropolitana de Lisboa, tendo ele recusado todas. «Só após a minha recusa, Luís Marques Mendes lançou a sua deriva moralista contra o que se chamou de ‘candidatos arguidos’. Para irritação dos meus adversários, ganhei as eleições em Oeiras e, com a minha vitória, Marques Mendes começou a perder a liderança do PSD. Se, até então, eu era visto por aquela dupla como um adversário, passei à categoria de inimigo. Foi este ódio que motivou a campanha liderada por eles contra mim», escreveu.
Em 2011, Marques Mendes teceu duras considerações sobre Isaltino: o ex-líder do PSD disse, a propósito da condenação do autarca, que tinha sido feita Justiça. «Demorou tempo, foram quase dez anos, mas chama-se a isto fazer Justiça. Independentemente das pessoas, o país, que é um Estado de Direito, deve congratular-se quando se faz Justiça, ainda que lentamente, como aconteceu neste caso», afirmou na altura.
Marques Mendes foi mais longe e defendeu que o caso de Isaltino Morais deveria servir de exemplo «para as pessoas refletirem».
Recorde-se que Isaltino Morais foi condenado a sete anos de prisão e a perda de mandato. O autarca foi ainda condenado ao pagamento de 463 mil euros ao Fisco. Cumpriu pena entre 2013 e 2014. Em outubro de 2017, voltou a vencer as eleições autárquicas, conquistando novamente a Câmara de Oeiras, com 41,65% dos votos.