Se o Carrilhão de Mafra voltou a tocar no domingo passado, vinte anos depois, os sinos também tocaram a rebate em Belém e na Igreja com o agendamento para o próximo dia 20 das propostas de legalização da eutanásia ou suicídio assistido de cinco partidos com assento parlamentar, a saber: PS, BE, PAN, PEV e IL. Sobretudo por, com a atual composição do Parlamento e sabendo-se ainda que também o líder do PSDe uma boa parte da respetiva bancada social-democrata tem uma posição igualmente favorável à despenalização da morte assistida, desta vez a aprovação e passagem à discussão na especialidade estão garantidas à partida. Só o CDS e o Chega, uma franja mínima do hemiciclo, estão frontalmente contra.
Perante este quadro, Marcelo Rebelo de Sousa disse esta terça-feira que só se pronunciará sobre a eutanásia «no último segundo» e depois de saber qual a posição do Parlamento sobre o assunto.
Mas o SOLsabe que o respeito institucional pela condição de Presidente da República não impede Marcelo Rebelo de Sousa de tudo fazer para tentar evitar a promulgação do diploma que vier a consagrar a legalização da morte medicamente assistida.
PR sem ‘rede’ no Constitucional
Uma das hipóteses ao dispor do Presidente da República é o pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade. Mas não só a atual composição do Tribunal Constitucional faz prever como muito improvável uma declaração de inconstitucionalidade da futura lei, como as mexidas que se anunciam – com a muito provável entrada de Vitalino Canas e o reforço do número de juízes-conselheiros mais conotados com a esquerda – a tornam ainda mais improvável. E nesse caso, pouca margem restaria para um veto presidencial se a AR confirmasse o diploma com parecer favorável do Constitucional.
Daí que a única via para contrariar a legalização imediata da eutanásia cada vez mais seja a via do referendo, que o SOL apurou que o próprio Marcelo vê como desejável e que a Igreja – cujo princípio que sempre afirmado foi o de que a vida não é referandável – também vê agora como a única hipótese para travar a despenalização da morte assistida.
Meses a recolher assinaturas
E se as movimentações no sentido de reunir condições para convocar um referendo já se tinham iniciado, o SOL sabe que o agendamento da votação na AR acelerou nos últimos dias as conversações, inclusive na cúpula da Igreja. O bispo do Porto, D. Manuel Linda, defendeu esta semana esse cenário. E já esta sexta-feira ganhou forma uma iniciativa popular de referendo, dirigida à Assembleia da República. A iniciativa partiu da Federação Portuguesa pela Vida e o porta-voz da campanha, José Maria Seabra Duque, disse ao SOL que foi preparada nos últimos meses depois do anúncio feito na Caminhada pela Vida em outubro, sendo já um «movimento amplo» na sociedade civil, sublinhou. Nos últimos dias, ficou fechada uma lista de 101 mandatários, onde figuram o antigo Presidente da República Ramalho Eanes, o padre Anselmo Borges e o médico e antigo bastonário Germano de Sousa.
Para ser apreciada pela Assembleia da República e poder levar à convocação do referendo, terá primeiro de reunir 60 mil assinaturas, um processo que José Maria Seabra Duque admite que levará dois a três meses. Mas não tem dúvidas de que será alcançado e que nessa altura o Parlamento terá de ouvir os subscritores. «É para nós evidente que há na sociedade civil um grande desejo de combater esta lei», disse, sublinhando que esta é uma resposta direta às iniciativas que o Parlamento se prepara para aprovar na generalidade. «É a única hipótese que temos para travar uma lei que não consta nos programas dos principais partidos e sobre a qual os portugueses não tiveram oportunidade de se pronunciar», afirma.
O caminho faz recordar a estratégia que, nos anos 90 do século passado, Marcelo Rebelo de Sousa, na altura líder do PSD, seguiu para contrariar a legalização do aborto. A 4 de fevereiro de 1998, o Parlamento aprovou na generalidade o projeto de lei do PS que despenalizava a interrupção voluntária da gravidez, mas logo no dia seguinte uma aliança entre o então primeiro-ministro António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa abriu caminho para o primeiro referendo, na altura proposto na Assembleia da República.
Ainda que anos volvidos, a interrupção voluntária da gravidez tenha vindo a ser mesmo despenalizada, a verdade é que o primeiro referendo ditou a vitória do ‘Não’ e adiou por uns anos a legalização.