O presidente executivo (CEO)da TAP, Antonoaldo Neves, prevê «prejuízos diretos na ordem dos 10 milhões de euros», na sequência da suspensão de 90 dias dos voos da companhia aérea portuguesa para a Venezuela. A decisão do Governo de Caracas até pode representar, eventualmente, uma fatura mais elevada, mas os responsáveis da TAPnão adiantam, para já, as previsões relativas aos custos indiretos.
Pese as incertezas, a situação já levou Antonoaldo Neves a admitir um impacto negativo nas contas deste ano, afirmando que «assim o objetivo do lucro fica difícil» – numa ótica de inversão dos prejuízos de 105,6 milhões de euros registados pelo grupo em 2019. «Eu quero saber quem vai pagar essa conta?», questionou o gestor.
O Governo de Nicolás Maduro anunciou a suspensão na segunda-feira, dia 17, através do Twitter do ministro dos Transportes, Hipólito Abreu. «A TAP não compreende as razões desta suspensão […] uma vez que cumpre todos os requisitos legais e de segurança exigidos pelas autoridades de ambos os países», reagiu fonte da empresa à Lusa.
Antes desta medida, a TAP operava dois voos semanais para a Venezuela, às terças-feiras e aos sábados. A rota existe desde 1976 e é assegurada, desde 2017, pela Euroatlantic, através de um regime de outsourcing, que inclui a contratação de avião e respetiva tripulação. A exceção ocorreu por um breve período, em março de 2019, numa fase em que a crise política, económica e social vivida no país levou à interrupção da rota por razões de segurança.
No primeiro voo após a suspensão, logo no dia seguinte ao seu anúncio, a companhia área portuguesa assegurou a ligação Lisboa-Caracas aos passageiros com bilhete. Em comunicado, a TAP assegurou, na altura, que «cumprirá a legislação em vigor, transportando, através de outras companhias aéreas, os passageiros que regressariam a Caracas no voo de hoje [terça-feira, dia 18]. A companhia está a avaliar soluções para os milhares de passageiros que tinham reservas nos voos seguintes», adiantou a companhia aérea.
Com a segunda maior comunidade portuguesa e lusodescendente da América Latina – estimada em cerca de 500 mil pessoas –, o papel da TAP não se esgota no transporte de pessoas, sendo também relevante nas trocas comerciais.
Relação comercial em risco
Ao SOL, Nuno Caetano, analista da Infinox, antecipa «inevitáveis repercussões a nível comercial, o que, no fundo, vai acabar por prejudicar claramente ambos os países».
A lua-de-mel comercial entre Portugal e Venezuela pode ter abrandado nos últimos anos – longe dos números do plano de cooperação estratégica entre os dois países, que valeu, por exemplo, a exportação para a Venezuela de bens no valor de 207 milhões de euros em 2014. Porém, os números de 2019 tinham vindo a refletir uma recuperação nesta antiga relação bilateral. Nuno Caetano prevê que «com a exclusão da TAP, a principal plataforma de transporte aéreo para e da Venezuela, será muito difícil atingir os números do ano passado». Feitas as contas, o Instituto Nacional de Estatística indica que as exportações portuguesas para a Venezuela cresceram 71% em 2019, para os 7,2 milhões de euros (face aos 4,2 milhões de 2018). Em sentido contrário, Portugal adquiriu na Venezuela produtos no valor de 26 milhões de euros, o que representa um crescimento de 127% (em comparação com os 11,2 milhões de 2018).
Neste momento, Nuno Caetano acredita que para as relações serem normalizadas tudo «vai depender da diplomacia entre governos e, em particular, do trabalho do ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva».
Apesar do manto de dúvidas – que se estende à distância de três meses –, o analista aposta numa toada mais «cautelosa» e «pacificadora» por parte do Governo português. «Não faz parte da génese portuguesa extremar posições, para mais estando em jogo as relações com um país com uma grande comunidade portuguesa e que, historicamente, sempre foi uma porta de entrada privilegiada para a América Latina»,conclui.
{relacionados}