Tudo o resto – que é o essencial – era conhecido e de tal modo habitual que não suscitava qualquer sobressalto de cidadania. De todos; até do próprio jogador que, desta vez, não controlando as emoções nem cedendo à pressão de colegas de equipa, reagiu com a dignidade inerente aos valores que, em todos os momentos, devem caracterizar as relações humanas. Também no futebol.
Albert Camus, uma das referências morais do séc. XX, afirmou «tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol»; não sabemos o que pensaria hoje o autor de O mito de Sísifo, mas devemos lembrar o que o futebol representa na atualidade e como nele encontramos expressão e exemplos de comportamentos determinantes na sociedade em que vivemos: do melhor e do pior, da paixão e indiferença, da necessidade e rejeição do outro, do reconhecimento e glorificação como da inveja e ódio, da transparência e integridade como da mentira e corrupção.
No último artigo publicado neste jornal (Desporto, Futebol e Claques) referimos a necessidade de «aceitar a diferença como fator inerente à condição humana e aprender a identificá-la, maximizando as suas virtualidades»; esta constitui a questão fundamental no futebol, no desporto, na política, em toda a nossa vida. Procurar ser e fazer melhor que o outro, individual ou coletivamente, é, não apenas legítimo, mas desejável. E perseguir esse objetivo através do conhecimento do outro, no respeito das normas que regulam e permitem o jogo e a vida; mais que tolerância, exige-se compreensão.
O meu sucesso – do grupo, equipa, empresa, país – não implica a derrota ou erro do outro, mas antes melhoria e superação próprias.
Manifestações de menor consideração ou desrespeito pelo outro podem ter consequências bem mais surpreendentes do que no caso Marega.
Recusemos a indiferença, impunidade e, até, cumplicidade perante factos e circunstâncias lesivas da dignidade a que todos têm direito e façamos do futebol e do desporto um meio verdadeiramente educativo; uma prática e um espetáculo em que, reconhecendo e compreendendo a existência do erro, saibamos apreciar, valorizar e aplaudir o esforço e as fantásticas performances de todos os intervenientes.
por Jorge Proença, Diretor da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona de Lisboa