Índia. O monge hindu acusado de fazer “um convite à turba”

Semanas após os massacres em Nova Deli, mais de 50 opositores do Governo tiveram os nomes, moradas e rostos expostos em cartazes do executivo de Uttar Pradesh.

Os rostos, nomes e moradas de mais de 50 pessoas estão expostos numa centena de cartazes nas ruas de Lucknow, em Uttar Pradesh, pelo próprio governo regional. Os alvos são acusados de participar em protestos contra a nova lei da nacionalidade, vista como uma maneira de descriminar os indianos muçulmanos. “Como é que nos podemos sentir seguros na nossa cidade?”, questionou à Reuters Sadaf Jafar, cujo nome figura nos cartazes. É fácil compreender os seus receios: ainda há umas semanas, os motins em Nova Deli fizeram pelo menos 53 mortos, sobretudo muçulmanos. Suspeita-se que boa parte dos assassinos fossem nacionalistas hindus vindos de Uttar Pradesh, governado por Yogi Adityanath, monge hindu e islamofóbico confesso. A justiça indiana ordenou-lhe ontem que retirasse os cartazes – Adityanath recusou.

Trata-se de “uma interferência injustificada na privacidade de pessoas”, decidiu o tribunal de Allahabad, em Uttar Pradesh, declarando-o “altamente injusto”, dado que nenhum dos visados foi condenado por qualquer crime. Mas, para os visados, os cartazes são muito mais que uma invasão de privacidade.

“É um convite para a turba”, sugeriu Jafar. “Todos sabemos o que aconteceu em Nova Deli”, lembrou ao Hindustan Times Deeppak Kabir, opositor da nova lei da cidadania. “Ao tornar as nossas moradas públicas, a administração mostrou o caminho para as nossas casas”, acrescentou outro manifestante, Robin Verma. E, “se há algo que os últimos anos tornaram claro, é que não há lei para as turbas na Índia”, lia-se no jornal indiano Print.  

 

Ferimentos terríveis No exterior de uma garagem na capital indiana, este sábado, Saira, mãe de um rapaz de 17 anos, chorava e gritava. “O hospital acabou de ligar: o seu filho morreu”, lia-se na NPR.

Quando ainda se fala em “pelo menos 53 mortos” nos motins de Nova Deli, não é por acaso: muitas das vítimas têm sucumbido lentamente, de ferimentos terríveis, incluindo ataques com ácido e mutilações genitais. A polícia de Nova Deli fez pouco para o impedir. Aliás, alguns agentes foram filmados a atirar pedras e ovos no meio da multidão de nacionalistas hindus. Outros capturaram muçulmanos e entregaram-nos aos seus carrascos, contaram testemunhas ao Guardian.

“Não tenho a menor dúvida que isto não foi um motim espontâneo, por acaso”, assegurou ao jornal britânico Harsh Mander, diretor do Centro de Estudos para a Igualdade, que aponta o dedo ao Partido do Povo Indiano (BJP), do primeiro-ministro Narendra Modi e de Adityanath. “Creio que o BJP ficou enervado pela escala dos protestos contra as alterações na lei da cidadania”, considerou Mander.

Não é a primeira vez que Modi é acusado de usar motins como ferramenta política. Os recentes ataques ecoam o ocorrido no estado de Gujarat em 2002, quando o atual primeiro-ministro liderava o executivo regional: foram massacradas mais de mil pessoas, sobretudo muçulmanos, perante a passividade da polícia.  

 

Vacas e homicídio “Se um único hindu for morto, não iremos às autoridades, mas em vez disso assassinaremos 10 pessoas”, prometeu Adityanath a uma multidão de apoiantes, em 2011, quando queria proibir procissões muçulmanas na cidade de Gorakhnath. A retórica do monge, que usa sempre um robe laranja e cabeça rapada, não se tornou menos inflamada desde que passou a governar os mais de 200 milhões de habitantes de Uttar Pradesh.

Aliás, logo no primeiro ano de Adityanath no poder, em 2017, a violência relacionada com bovinos aumentou em 69% em Uttar Pradesh, segundo a Bloomberg: foram 21 ataques e quatro mortos, incluíndo um polícia que tentou impedir um linchamento. Recorde-se que as vacas são sagradas para os hindus – como tal, extremistas religiosos atacam quem é acusado de comer a sua carne, sobretudo muçulmanos.