“A guerra literalmente explodiu e as batalhas são ininterruptas, dia e noite”. O relato é de Daniele Macchini, cirurgião no Hospital Humanitas Gavazzeni, o segundo maior de Bergamo, no epicentro do Covid-19 em Itália.
A dificuldade de responder aos doentes é cada vez maior e alguns profissionais têm vindo a público dar testemunho do drama que se está a viver nos hospitais no norte de Itália, também como forma de alerta. Macchini escreveu um longo texto nas redes sociais onde recorda que, no final de fevereiro, quando o hospital começou a preparar-se para receber mais casos, a esvaziar enfermarias e a transferir doentes para libertar camas de cuidados intensivos, não imaginava a “ferocidade” com que seriam atingidos: “Foi um silêncio surreal”.
De repente tudo mudou e estão a internar 15 pessoas por dia só neste hospital. “Um após outro os pobres infelizes chegam à sala de emergência. Têm tudo menos as complicações de uma gripe. Vamos parar de dizer que é uma gripe má”, apela o médico, explicando que se sucedem os diagnósticos de pneumonia bilateral, não só em doentes idosos. “Digam-me que vírus da gripe causa uma tragédia tão rápida”, escreve. Há relatos de doentes graves a serem assistidos em corredores, onde estão a ser improvisados cuidados intensivos. No Humanitas Gavazzeni também as salas de cirurgia – foram adiadas operações não urgentes – estão a ser usadas para terapia intensiva. “A equipa está exausta. Vi solidariedade de todos nós, que nunca deixaram de procurar nossos colegas internistas para perguntar “o que posso fazer?”. Médicos que mudam doentes de cama, administram terapias em vez de enfermeiros. Enfermeiras com lágrimas nos olhos porque não podemos salvar todos e os sinais vitais de vários doentes ao mesmo tempo revelam um destino que já foi marcado”.
Christian Salaroli, anestesista em Bergamo, relatou esta semana a mesma impotência, também para que os italianos saibam o que se está a passar. “Temos de escolher quem tratar como em situações de guerra”, disse o médico ao Correrie della Sera, admitindo que a carga emocional de lidar com esta crise está a ser devastadora. “Não estamos em posição de fazer milagres. É a realidade”.
Muitos médicos e enfermeiros que lidam com doentes com Covid-19, além de repetirem turnos, estão a deixar de ir a casa ou a separar-se da família para diminuir o risco de contágio. Macchini diz que o irá fazer e deixa um apelo à população para que siga as orientações e evite contactos sociais, mesmo que implique sacrifícios como não ir ao cinema, e para que apoie a população mais idosa, por exemplo levando-lhes as compras para que não saiam de casa. “Estamos onde os vossos medos podem fazer com que fiquem longe”.