Marcelo Rebelo de Sousa quis declarar quanto antes o estado de emergência com um objetivo: permitir o respaldo constitucional ao Governo para avançar com as medidas necessárias para combater a pandemia da covid-19. Que não seriam suficientes nem em estado de alerta, nem em estado da calamidade. Sendo que o primeiro-ministro preferia esta última versão. António Costa chegou a dizer, em entrevista à SIC, que «mesmo sem o estado emergência é possível impor de forma mais generalizada restrições às que já existem». O chefe de Governo apontava baterias ao estado de calamidade, que possibilitaria cercas sanitárias em determinadas localidades. Como aliás, aconteceu em Ovar, antes mesmo do decreto do estado de emergência.
Ora, quando Marcelo fez a declaração ao país, a explicar os motivos do decreto presidencial, invocou cinco razões. Uma delas: a certeza jurídica. Foi, aliás, o terceiro motivo usado por Marcelo. «Esta base de direito dá um quadro geral de intervenção e garante que, mais tarde, acabada a crise, não venha a ser questionado o fundamento jurídico das medidas já tomadas e a tomar», afirmou o Presidente na declaração aos portugueses.
Um estado de calamidade decorreria de uma lei orgânica (criada em 2006) e a decisão presidencial dá o respaldo constitucional ao Governo, ao mesmo tempo que coloca (ainda) mais responsabilidades no Executivo. Ou seja, o chefe de Estado quis dar todas as condições para o Governo modelar medidas com rapidez no combate a pandemia.
Mas o discurso de Marcelo revelou outros dados. Por exemplo, um sinal político forte de unidade, «que previne situações antes de poderem ocorrer, estabelece um quadro que confere certeza, dá poderes ao Governo mas não regidifica o seu exercício, e permite reavaliação na sua aplicação num combate que muda de contornos no tempo». O combate será duradouro, mas o estado de emergência não suspende a democracia. «Não é uma interrupção da Democracia. É a Democracia a tentar impedir uma interrupção irreparável na vida das pessoas», avisou Marcelo Rebelo de Sousa, convergindo no registo de Costa. Que já avisara previamente que a decisão «não será a suspensão da democracia».
Em sete horas, no passado dia 18, Marcelo conseguiu implementar a sua estratégia. Ao chamar o Conselho de Estado, órgão consultivo, o Presidente quis também ter a certeza de que, apesar das dúvidas, a sua decisão (já avaliada na semana passada) tinha adesão a todos os níveis. Para decretar o estado de emergência, o chefe de Estado não precisava de falar com os conselheiros. Mas o que ouviu serviu para fazer a audição (obrigatória) do Governo e remeter o decreto – para deliberação– ao Parlamento. O Conselho de Estado, por videoconferência e já com o Presidente regressado a Belém (depois de 15 dias de quarentena e dois testes negativos), durou quase quatro horas e o processo acelerou a partir daí.
Marcelo agradeceu a cada um dos órgãos de soberania: «Agradeço aos Conselheiros de Estado o terem expresso as suas opiniões, ao primeiro-ministro e ao Governo o terem aderido, solidariamente, e colaborado, de modo decisivo, no conteúdo do presente decreto, e à Assembleia da República o tê-lo autorizado com generosa prontidão e amplo consenso». Estava fechada a última etapa para demonstrar a solidariedade institucional «para o que tiver de ser feito nos dias, nas semanas, nos meses que estão pela frente». E a palavra ‘meses’ apareceu mais uma vez na intervenção. « O Estado está a ajudar a economia a aguentar estes longos meses mais agudos. Fazendo o que possa para proteger o emprego, as famílias e as empresas», defendeu Marcelo, pedindo para não se parar a produção e não se entrar em pânico. «Assim é em tempo de guerra, as economias não podem morrer», sintetizou o chefe de Estado, enquadrando o momento mais difícil do seu mandato e do país. Há quem admita ao SOL que a situação provocada pela Covid-19 (de incerteza e de volatilidade) pode baralhar as contas do Presidente para um novo mandato, ou mesmo que o seu segundo mandato (sendo recandidato) seja obrigatoriamente marcado por este momento.